sábado, 27 de novembro de 2010

Um caso de luta




Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza informando a prisão dos negros quilombolas Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, acusados de vários roubos e mortes, incluindo de um soldado. Segundo o documento, os assassinatos ocorreram a mando do negro Joaquim, considerado “rei” no quilombo, que também foi morto pelos prisioneiros. As agitações causadas por negros insurretos e quilombolas marcaram o período colonial deixando registrado em documentos como este, a violência do confronto entre brancos e negros, bem como a necessidade de que fossem aplicadas punições severas e exemplares. 
Conjunto documental: Correspondência de capitães-mores e comandantes de regimentos de vilas do Rio de Janeiro
Notação: caixa 484, pct.02Datas – limite: 1771-1808Título do fundo: Vice-reinado Código do fundo: D9Argumento de pesquisa: QuilombosData do documento: 12 de outubro de 1805Local: Cabo FrioFolha(s): -    “Pelo Alferes de granadeiros do regimento do meu comando, João de Souza Braga, remeto presos os negros aquilombados[1], que constam da relação, que ponho na respeitável presença de V.Ex.ª, os quais foram uns presos, na ocasião em que roubaram no engenho[2] do capitão Antonio Gonçalves, e outros em um distante quilombo[3], no qual se levantaram com armas de fogo, por cuja causa mataram os soldados um negro, que dizem ser da viúva d. Teresa Gonçalves; e o mesmo levante fizeram os que roubaram a fazenda, os quais dispararam armas de fogo, escapando por felicidade os soldados sem maior incômodo. Do referido quilombo se escaparam seis, indo com eles um dos que capturaram [ilegível] nas ocasiões dos insultos, os quais tem sido tantos, que se considera ser um levante de negros, os quais tem inquietado todo este Distrito. Eu continuo nas mais eficazes diligências para as quais me é inteiramente necessário que V.Ex.ª se digne mandar que a Câmara assista com algum sustento para a tropa, sendo assim do agrado de V.Ex.ª . Os principais matadores dos que remeto presos, são Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, que já remeti com a parte á presença de V.Ex.ª , datada em oito do corrente, os quais fizeram várias mortes por mandado de um negro Joaquim a quem no Quilombo chamavam = Rei = e como tal o obedeciam, cujo rei, eles o mataram há poucos dias na ocasião, em que repartiam o roubo que fizeram a Joaquim Manoel, ao qual roubaram tudo quanto possuía, e o deixaram mortalmente ferido (...) Igualmente confessa o Geremias que foi ele quem matou o soldado do meu regimento, o que já participei a V.Ex.ª , sendo companheiro o negro Domingos, o qual pela confissão dos mesmos companheiros, se achava em todos os distúrbios, e também confessam, fizeram (...) várias mortes em alguns seus companheiros, o que tudo declararam perante várias testemunhas. São tantos os distúrbios, que estes insultadores têm feito, que não me posso dispensar de rogar a V.Ex.ª queira mandar vir para este Distrito as cabeças dos que forem justiçados, para exemplo, o que igualmente me requerem alguns senhores de fazendas, que julgam algum levante dos escravos[4] pelos distúrbios, que diariamente fazem os mesmos escravos, ao quais tem dado motivo de bem se suspeitar o referido. V.Ex.ª mandará o que for servido, a cujas determinações se humilhará sempre constante a minha fiel obediência. Deus guarde a V.Ex.ª . Cabo Frio[5], doze de Outubro de mil oitocentos e cinco. Felicíssimo José Victorino de Souza.”            


[1] Os aquilombados eram os escravos fugitivos que se refugiavam em quilombos.
[2] Os engenhos eram constituídos por um complexo formado por terras, construções e maquinário empregados na produção e beneficiamento do açúcar. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo e a expansão do açúcar e conseqüente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas, século, e até o século XVIII ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável.Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Nem todos os engenhos eram iguais. O engenho real era movido a água, apresentava maior riqueza e complexidade, empregava um sem-número de oficiais de serviço trabalhadores especializados, contava com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuía toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo. Os demais engenhos exigiam investimento menor mas também restringiam a força política do seu senhor. Eram movidos por escravos ou animais, e no caso das engenhocas, produziam basicamente aguardente. A maior parte das propriedades não era nem tão grande e nem possuía tantos escravos (média de 65 na Bahia, 35 em Campos, RJ). Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.
[3] A palavra Quilombo remete ao fenômeno conhecido pela reunião de negros fugitivos em comunidades e povoações construídas em áreas rurais e urbanas em todos os territórios das Américas onde o sistema escravocrata se estabeleceu. O Quilombo ou Mocambo, como também era conhecido aqui no Brasil, possuía uma estrutura social, política e cultural original, que se definiu pela recomposição das identidades e nacionalidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu cotidiano nas senzalas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos foram violentamente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou grande parte dos estudos em torno do tema a se basearam em informações retiradas de fontes militares, o que dificultou em parte as análises de aspectos não registrados por estes documentos, como ocorreu de modo geral em relação a movimentos e formas de resistência por parte de grupos que pelas suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se perderam. Apesar disto, outras pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não eram apenas uma “reação” - via isolamento radical - ao regime escravocrata. Elas se integravam às suas regiões estabelecendo um fértil comércio com negociantes locais e sendo assim quase reconhecidas por partes destes como comunidades de camponeses autônomos. A lógica desse processo pode ser explicada pela idéia de “dinamização da estratificação social” promovida pelos aquilombados que negavam o regime escravista e desejavam um regime de trabalho livre. Além disso, os aquilombados construíram uma vasta rede de alianças com outros grupos sociais e movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. Sem duvida, o maior e mais longevo Quilombo foi o de Palmares organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em Pernambuco entre 1605 e 1695. Palmares resistiu por quase cem anos às incursões portuguesas e holandesas, sobrevivendo com o vasto conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre outras atividades, trazidas pelos seus integrantes.  
[4] Pessoa cativa, desprovida de direitos, sujeita a um senhor, como propriedade dele. Embora a escravidão, na Europa, existisse desde a época do Império Romano, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, ela revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No Brasil, de início utilizou-se a captura de nativos para formar esse contingente de mão de obra escrava. Por diversos motivos _ dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura, morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos Europeus, lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África _ a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início, no Brasil, da atividade açucareira em grande extensão. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas.Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América Inglesa, por exemplo, não houve crescimento endógeno entre a população escrava na América Portuguesa.
[5] A região de Cabo Frio foi descoberta em 1503, por ocasião da 2ª expedição exploradora enviada pelo rei de Portugal d. Manuel I. Sob o comando de Gonçalo Coelho, esta expedição contou com a participação do navegador Américo Vespúcio, responsável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à exploração do pau-brasil existente na praia do Cabo da Rama, atual Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo. Junto com a feitoria, foi edificada uma fortaleza com a finalidade de guarnecer o litoral. A cidade de Cabo Frio foi fundada em 1615, pelo capitão Constantino Menelau após a expulsão de cinco naus holandesas.   


 fonte O Arquivo Nacional e a História

Um comentário:

  1. Este texto acima do arquivo nacional é muito interessante! Tem outros parecidos do site http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=796&sid=65
    são originais! Boa leitura!

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