sábado, 27 de novembro de 2010

Os capoeiras de antes


 

Carta de Antônio Felipe Soares d’Andrada de Brederode pedindo a punição de negros capoeiras cativos em praça pública. Segundo o documento, eram conhecidos por capoeiras negros forros, livres e cativos, que eram procurados pela Polícia por cometerem delitos freqüentes no Rio de Janeiro.  Em função do temor que a sociedade colonial nutria de levantes de escravos, a punição aos delitos cometidos pelos negros deveria servir de exemplo aos outros. Através desta carta, percebe-se ainda uma certa distinção feita entre negros forros e cativos quanto aos castigos recebidos, embora a intenção do exemplo fosse a mesma.  
Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, pct.03Datas – limite: 1808-1817Título do fundo: Ministério da JustiçaCódigo do fundo: 4v Argumento de pesquisa: Revolta de escravosData do documento: 27 de fevereiro de 1817Local: Rio de JaneiroFolha(s): -   
“Senhor, Sendo freqüentes os delitos preparados por indivíduos desta cidade, forros[1] e livres uns; cativos outros; conhecidos pela denominação de capoeiras[2]; tem a vigilante Polícia[3] buscado capturá-los, as Justiças processá-los, e a Casa da Suplicação[4] sentenciá-los com exemplar zelo e interesse do Chanceler que serve de Regedor[5], especialmente nas visitas da Cadeia em que é juiz.Quanto aos forros é uma das penas aflitivas a de açoites pelas ruas públicas; quanto aos cativos na grade da cadeia, e no calabouço. Mas como o principal fim seja o exemplo aterrador dos cativos parecia conseguir-se melhor, sendo dados os açoites nos cativos[6] em Praças mais públicas, e lugares onde estes maus indivíduos capoeiras costumam fazer suas paradas e depois suas desordens e delitos.Mas, como não esteja em uso prático serem açoitados no Pelourinho[7] e Praça do Rossio, na do Capim, na da Sé, e outras, não me atrevendo a fazer esta inovação, posto que a julgue necessária, e haja agora ocasião com dois escravos, um crioulo, outro de Nação condenados em açoites, sou a pedir a Vossa Majestade pelo expediente desta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil queira expedir as ordens a este respeito ao Chanceler que serve de Regedor, (...) para este informar, e ficarem registrados nos livros da Relação para terem o seu devido efeito. Vossa Majestade mandará o que justo lhe parecer  ao seu Real Serviço. Rio de Janeiro, 27 de Fevereiro de 1817. O Corregedor do Crime da Corte e CasaAntônio Felipe Soares de Andrade de Brederode”    


[1] Eram considerados forros os indivíduos que recebiam carta de alforria. Contudo, por ser revogável, nunca o ex-escravo ganhava a situação de homem livre. Ele era um forro ou liberto que vivia sob a constante ameaça de revogação da alforria por “ingratidão” ao seu antigo senhor.
[2] Não existe um consenso em torno da origem do termo capoeira, tampouco da prática por ele definido. Diz-se que seriam campos abertos (capoeiras) onde escravos fugidos praticavam uma espécie de luta ritual; há também uma versão que afirma ter sido a denominação de um cesto carregado pelos escravos de ganho para carregar principalmente aves e verduras nas ruas da cidade, e como a prática dessa luta teria se espalhado justamente entre esses escravos, que acabavam sendo chamados de capoeiras, a prática recebeu o mesmo nome. De uma forma ou de outra, floresceu nas cidades (e seus arredores) de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sendo sempre alvo de repressão e inspirador de temor. Se a origem da prática é rural ou urbana permanece um mistério; contudo, foi no início do século XIX que ela se espalhou de forma avassaladora entre os escravos da cidade do Rio de Janeiro - transformada em corte -, tornando-se um problema de ordem pública de proporções inesperadas antes de 1820. Uma forma de dança e luta ritualizada, representava um momento de congraçamento mas também de enfrentamento entre diversas etnias africanas, colocadas todas, a força, sob um mesmo rótulo e vivendo no mesmo local. Além disso, passou a ser um meio de ataque e defesa fundamental na resistência à repressão dos movimentos, manifestações e presença dos negros nas ruas da cidade.
[3] A Intendência-geral da Polícia e do Estado do Brasil foi criada pelo príncipe regente d. João, através do Alvará de 10 de maio de 1808. A Intendência tinha como incumbência, entre outras, organizar uma polícia eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil.
[4] Era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte através do alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância que unia os desembargadores da Mesa Grande e da Mesa dos Desembargadores Extravagantes, bem como da Mesa dos Agravistas, da Mesa da Ouvidoria do Crime, do Juízos e Ouvidorias. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com excepção do Brasil e da Índia.
[5] Autoridade administrativa da freguesia.
[6] Na sociedade colonial o termo ‘cativo’ era sinônimo de escravo.
[7] O pelourinho consiste em uma coluna de pedra colocada em lugar público de cidade ou de vila, onde as autoridades municipais exerciam a sua autoridade e justiça. O pelourinho serviu como instrumento de castigo, onde o réu era posto com baraço e pregão para, após ser lida a sentença, ser açoitado ao som de tambores que serviam para abafar os gritos do castigado e chamar a atenção dos espectadores. Dentre os muitos homens isentos do pelourinho, estavam o clero, os juízes, os altos administradores e os oficiais de tropa. As primeiras notícias referentes ao levantamento de pelourinhos no Brasil colônia foram fornecidas por Mem de Sá em 1558. Em 1626, foi lembrado pelo ouvidor-geral Luís Nogueira de Brito a necessidade de ser erguer no Rio de janeiro um pelourinho.

 
 
 

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