terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tradição Yorùbá

A tradição ioruba é, entre as culturas africanas importadas durante o tráfico negreiro, a que os brasileiros melhor compreendem ou, em muitos casos, a única que parecem considerar relevante.




Pierre Verger explica que tal predominância deve-se provavelmente ao fato de que este fora o último povo africano a chegar em massa no Brasil a partir do final do século XVII, mas principalmente após 1830, quando a cidade-estado de Oyo fora destruída pelos exércitos muçulmanos dos fulanis. Trouxeram consigo uma elite de nobres sacerdotes, príncipes e chefes de Estado dispersos em meio à multidão de gente do povo. Na visão de Gisele Cossard, os iorubas ter-se-iam organizado para escapar à escravidão, promovendo assim a expansão de uma casta de negros livres que já existiria anteriormente em menor escala. Apesar de ignorada pelos livros escolares e anais da história oficial, essa classe média de negros e mestiços foi muito atuante. Desenvolveu-se sobretudo em Salvador e, por ocasião dos fluxos migratórios em direção ao sudeste do País (principalmente após a abolição), veio a exercer poderosa influência sobre numerosas populações afro-brasileiras que viviam em situação sócio-econômica muito inferior, em outras cidades brasileiras. Um bom exemplo disso é a força da colônia baiana que se instalou no centro do Rio de Janeiro no final do século passado, onde viveu a legendária Tia Ciata.

Informações históricas sobre as antigas cidades-estado de Ifé e Oyo, que mais tarde seriam consideradas como partes do reino ioruba, estão sendo processadas a partir de escavações. Leo Frobenius encontrou na atual cidade iorubana de Ile-Ifé, entre os anos de 1910 e 1911, esculturas em metal e terracota que teriam sido construídas durante os séculos X e XI. Essas esculturas, conhecidas como “cabeças de Ifé”, trouxeram novos dados sobre a vida e a arte iorubas; contrariando tudo que era até então concebido como arte tipicamente africana, as esculturas possuíam dimensões naturalistas, sendo confeccionadas com uma liga metálica que combina bronze, chumbo e cobre. Talvez por considerá-las elaboradas demais para serem totalmente africanas, Frobenius supôs terem elas alguma conexão com a arte grega, hipótese hoje descartada. Submetendo-se essas vinte cabeças esculpidas à análise de carbono 14, foi possível determinar o apogeu da civilização que floresceu em Ifé entre os séculos XII e XIV, muito embora haja indícios de que, desde o final do primeiro milênio, os iorubas já trocassem manufaturas com os árabes ao norte de seu país.

Já Oyo vivera seu período de expansão a partir do século XIV, chegando a subjugar os povos vizinhos do antigo reino do Daomé, tendo-se mantido livre da presença européia até o começo do século XIX, quando esta foi arrasada e a autonomia ioruba desmantelada. Só então os negros dessa etnia foram maciçamente incluídos entre os escravos de guerra.

Quando os europeus entraram pela primeira vez nas principais cidades iorubas admiraram-se não só com o seu nível de urbanização, mas com a beleza de sua arquitetura e estatuária sagrada. Cada cidade era organizada em torno do culto a uma divindade específica, a qual muitas vezes relacionava-se intimamente com algum poder ou força da natureza, bem como com o passado mítico das dinastias reais, como no caso de Xangô, Oranian e Ogum. No momento da invasão européia, constatou-se que aquele povo já há muito desenvolvia a metalurgia e produzia sofisticadas manufaturas.
A sobrevivência da tradição ioruba no Brasil também exigiu de seus líderes e seguidores a elaboração de estratégias sincréticas de convivência com a religião oficial. Só que, neste caso, o sincretismo não foi tão aprofundado quanto o fora pelos kongoleses, funcionando mais como um disfarce que lhes permitia uma relativa liberdade de ação, no tocante à realização de seus rituais. Esse mecanismo de disfarce fora anteriormente empregado pelos negros gêges, procedente do antigo Daomé (atual Benin) os quais, segundo alguns estudiosos, além de antecederem a presença ioruba no Brasil, também teriam sido pioneiros em diversos atos de grande importância histórica para a diáspora africana em nosso país, incluindo a fundação de casas de candomblé na Bahia.

Confrarias e irmandades de pretos foram instituições sob cuja “proteção” teriam sido organizados os primeiros candomblés baianos. Mas nos terreiros gêge-nagô, enquanto imagens de santos católicos aparecem em partes mais externas do templo, todos os fiéis sabem que o assentamento da energia está mesmo é nas pedras sagradas, que se encontram veladas sob os panos e plantas dos altares, escondidos da curiosidade e do preconceito de olhares alheios.

Ainda que os povos do Kongo e do Daomé tenham chegado ao Brasil antes dos iorubas, a enorme influência desse último grupo em nosso dia-a-dia cultural demonstra que, de um modo ou de outro, a liderança ioruba foi aceita e reforçada pelas demais etnias afro-brasileiras. Ao nosso ver, um dos fatores que contribuíram bastante para isso foi a conservação do idioma ioruba - pois é na língua que se encontra codificada grande parte das informações que constituem a identidade cultural e religiosa de um povo, e os demais idiomas africanos presentes no Brasil já se teriam fragmentado com o tempo.

O domínio dos iorubas no contexto afro-brasileiro deveu-se também ao emprego de uma sábia diplomacia que pode ser observada na organização multicultural dos terreiros. Além de agruparem num único templo divindades antes cultuadas separadamente em diferentes regiões da atual Nigéria, os iorubas incorporaram ao seu panteão Nanã-Obaluaiê-Oxumarê, a tríade de deuses adorados pelos seus ex-arquiinimigos daomeanos, reservando também um discreto espaço para entidades de ascendência kongo-ameríndia; caboclos, pretos-velhos e exus, no mais das vezes agrupados sob o nome genérico de "eguns" (espíritos dos mortos). Entretanto, o idioma africano ensinado e praticado nos terreiros de filiação mais tradicional é o ioruba arcaico, que impressiona pela “pureza” até mesmo os nigerianos de hoje. A hierarquia interna das casas de candomblé e a linha de sucessão por consangüinidade são bastante rígidas, mas, ao mesmo tempo, observamos que entre sacerdotes, fiéis e freqüentadores do candomblé há pessoas de todas as etnias e classes sociais brasileiras. Isso nos leva a crer que, na verdade, a grande diplomacia ioruba foi a de saber combinar uma estrutura altamente tradicionalista e conservadora a uma base social verdadeiramente inter-étnica e multicultural.

Com êxito inegável, os iorubas conseguiram fazer de seus orixás as divindades africanas mais conhecidas no Brasil. Sete deles (Xangô, Iemanjá, Oxóssi, Oxum, Ogum, Iansã e Ibejí) foram incorporados pela umbanda como líderes das sete categorias básicas (falanges) de espíritos concebidas por esta religião. Oxalá, sincretizado com Jesus, é adorado como a entidade mais elevada, numa escala ascendente de evolução espiritual; Nanã e Omulu, de origem gêge, estão presentes em um degrau hierárquico inferior, pois não chefiam nenhuma falange, ligando-se (na maioria das vezes) aos grupos chefiados por Iemanjá e Iansã, respectivamente. No candomblé, os orixás não costumam falar, comunicando-se sobretudo através dos búzios; na umbanda, os orixás comumente não se incorporam nos médiuns, existindo apenas como uma referência arquetípica que indica simbolícamente o tipo de energia (ou vibração) que caracteriza cada falange, ou grupo de espíritos que se harmonizam entre si.

A cosmogonia ioruba compreende uma divisão básica entre céu (Orum/sol/mundo divino) e terra (Aye/mundo dos vivos). Seu deus supremo, Olorum (o senhor do céu) está no mundo de cima; os heróis/deuses civilizadores são quase todos masculinos, embora o patriarcado ioruba seja mitologicamente ameaçado pela fúria de poderosas matriarcas como Nanã e Olokun (que é masculina em Benin e feminina em Ifé). Sua concepção de energia/força sagrada se define pela constituição do Axé, que é relacionado ao número três e às cores vermelho, preto e branco. Conforme a crença ioruba, Olorum, o Ser Supremo, serve-se de auxiliares para criar, manter e transformar o mundo.

Com efeito, a altivez e o orgulho próprio dos iorubas, bem como seu talento para a promoção social de seus valores culturais e religiosos, fizeram deste grupo um exemplo positivo a ser seguido por toda uma multidão de descendentes de africanos, combatendo a depressão causada pelos séculos de opressão escravagista. Todavia, o exagero dessas mesmas qualidades também facilita a manutenção de injustiças históricas contra outras tradições africanas no Brasil. E assim que todas as coisas belas e importantes feitas por negros neste país são sistematicamente atribuídas aos iorubas, que, então, recebem as honras por façanhas cujo crédito, na realidade, não lhes pertence. Nossa intenção ao destacar esse fato é contribuir para que o legado positivo da liderança ioruba seja priorizado, em detrimento de enganos desta natureza que, conquanto velados, continuarão a existir.

Fonte: www.opasquim.com
Yorùbá

Os iorubás ou iorubas (em iorubá: Yorùbá), também conhecidos como ou yorubá (io•ru•bá) ou yoruba, são um dos maiores grupo étno-linguístico ou grupo étnico na África Ocidental, composto por 30 milhões de pessoas em toda a região. Constituem o segundo maior grupo étnico na Nigéria, com aproximadamente 21% da sua população total.





Origem

As lendas contam que Ilé-Ifé teria sido o próprio berço da humanidade. Ali Todos os povos e reinos descenderiam do deus-rei Odudua, fundador da cidade sagrada. Outra lenda diz que Odudua seria o condutor de uma gente vinda do Leste.




Após a fundação da cidade sagrada o povo teria se espalhado pela região e tomou forma final por volta do final do primeiro milênio. Possível época da fundação de Oyo, capital política dos iorubas. Cidades independentes com seus governantes, camponeses. O Senhor do reino ratificava o poder dos mandantes de cada cidade que era chamado de Bale e tinha a assembléia dos notáveis, que era na realidade a detentora da autoridade. O guarda muralhas, em geral era um mágico, o babalaô, que recolhia os impostos. Uma aristocracia improdutiva controlava as armas, o poder político, o comércio local, nacional e internacional.




As comunidades iorubas que se desenvolveram principalmente no sudeste da atual Nigéria constituíram um dos grandes centros civilizatórios da Guiné e chegaram a influenciar outras civilizações da região, como o reino de Benin. Esta irradiação cultural não se restringiu apenas ao continente africano.

A maioria dos iorubás vivem em grande parte no sudoeste da Nigéria; também há comunidades de iorubás significativas no Benin, Togo, Serra Leoa, Cuba e Brasil. Os iorubás são o principal grupo étnico nos estados de Ekiti, Kwara, Lagos, Ogun, Ongo, Osun, e Oyo. Um número considerável de iorubas vive na República do Benin, ainda podendo ser encontradas pequenas comunidades no campo, em Togo, Serra Leoa, Brasil e Cuba.

Milhares de iorubas escravizados foram desembarcados no Brasil, fecundando a cultura e a história do nosso país. Uma explicação plausível sobre a gênese do povo ioruba, seria as diversas migrações através das regiões entre o Lago Chade e o Níger.




Bem como tendo acesso ao mar, eles compartilham fronteiras com os Borgu (variadamente chamados Bariba e Borgawa) no noroeste, os Nupe (que eles chamam muitas vezes, "Tapa") e os Ebira no norte, os Edo que também são conhecidos como Bini ou povo benin (não-relacionado com o povo da República do Benin), e os Ẹsan e Afemai para o sudeste. Os Igala e outros grupos relacionados, encontram-se no nordeste, e os Egun, Fon, e outros povos de língua Gbe no sudoeste. Embora a maioria dos iorubás vivam no oeste da Nigéria, há também importantes comunidades yorubás na República do Benin, Gana e Togo.

A maioria dos iorubás são cristãos, com os ramos locais das igrejas Anglicana, Católica, Pentecostal, Metodista, e nativas de que são adeptos. O islamismo inclui aproximadamente um quarto da população iorubá, com a tradicional religião iorubá respondendo pelo resto. Os iorubas têm uma história urbana que data de 500 d.C. As principais cidades iorubás são Lagos, Ibadan, Abeokuta, Akure, Ilorin, Ogbomoso, Ondo, Ota, Shagamu, Iseyin, Osogbo, Ilesha, Oyo e Ilé-Ifè.

Arte


Escultura cabeça de bronze
Yoruba, Ife, Nigéria.

Os Yorubas do Sul da África Ocidental (República do Benin, Nigéria e Togo, incluindo também peças de Gana, Camarões e Serra Leoa), tem uma muito rica e vibrante comunidade artesanal, criando arte contemporânea e tradicional. O costume de arte e artesãos entre o Yoruba é profundamente assinalado no corpo literário Ifá que indica os orixás Ogun, Obatala, Oxum e Obalufon como central à mitologia de criação inclusive a obra artística (isto é a arte da humanidade) Ao longo dos anos, muitos já vieram cruzar idéias estrangeiras da obra artística e arte contemporânea com as formas de arte tradicionais encontradas na África Ocidental.

Língua

O iorubá ou ioruba (Èdè Yorùbá, "idioma iorubá") é um idioma da família linguística nigero-congolesa, e é falado ao sul do Saara, na África, dentro de um contínuo cultural-linguístico, por 22 milhões a 30 milhões de falantes.

A língua iorubá vem sido falada pelo povo iorubá há muitos séculos. Ao lado de outros idiomas, é falado na parte oeste da África, principalmente na Nigéria, Benim, Togo e Serra Leoa.

No continente americano, o iorubá também é falado, sobretudo em ritos religiosos, como os ritos afro-brasileiros, onde é chamado de nagô, e os ritos afro-cubanos de Cuba (e em menor escala, em certas partes dos Estados Unidos entre pessoas de origem cubana), onde é conhecido também por lucumí).

Pesquisas

Segundo diversos pesquisadores o termo iorubá é recente. Segundo Biobaku, aplica-se a um grupo linguístico de vários milhões de indivíduos. Ele acrescenta que, "além da [língua] comum, os iorubas estão unidos por uma mesma [cultura] e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé, mas não parece que tenham jamais constituído uma única entidade política, e também é duvidoso que, antes do século XIX, eles se chamassem uns aos outros por um mesmo nome". A. E. Ellis mencionou-o, judiciosamente, no título do seu livro The Yorùbá speaking people ("O povo que fala iorubá"), dando a significação de língua a uma expressão que teve a tendência a ser posteriormente aplicada a um povo, a uma expressão ou a um território. Antes de se ter conhecimento do termo iorubá, os livros dos primeiros viajantes e os mapas antigos, entre 1656 e 1730, são unânimes em chamar Ulkumy ou Ulcuim, com algumas variantes. Depois de Snelgrave, em 1734, o termo Ulkumy desapareceu dos mapas e é substituído por Ayo ou Eyo (para designar Oyo).

Francisco Pereira Mendes, em 1726, comandante do forte português de Ajudá, já mencionava em seus relatórios enviados à Bahia os ataques dos ayos contra os territórios de Agadjá, rei de Daomé chamado de "o Revoltoso" por haver atacado Allada em 1724, e que iria, posteriormente, conquistar Uidá, em 1727. Foi esse povo, chamado atualmente uidá (glébué para os daomeanos, igéléfé para os iorubás, ajudá para os portugueses, juda ou grégoy para os franceses, Whidah para os ingleses e fida para os holandeses) e habitado pelos hwéda, que se tornou o principal ponto de exportação dos escravos originários das regiões vizinhas, inimigos do Daomé.

Fontes: Wikipédia / Prefeitura de Barra Mansa

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

13 de maio - O Resgate Por Nei Lopes*

Na comunidade humana não existem raças, todos sabemos. Mas o racismo existe, sabemos também. Como sabemos, ainda, que no Brasil ele nos atinge principalmente a nós, pretos e mulatos, ou seja, aos negros. Sabemos, mais, que, aqui, os negros são os mais pobres exatamente porque são negros. Essa condição ainda é conseqüência do histórico “13 de maio”, quando a escravidão foi abolida sem nenhum projeto de beneficio social para os emancipados. E, para reparar o erro, lutamos pela adoção das chamadas “ações afirmativas”, entre as quais as políticas de “cotas”.

Os opositores das ações afirmativas, hoje tão discutidas, costumam argumentar dizendo que elas são inconstitucionais por ferirem o princípio da igualdade expresso no art. 206 da Constituição Federal. E com relação à adoção de políticas de cotas nas universidades, outros argumentam com a autonomia das universidades, assegurada pela Constituição em seu art. 207.

Entretanto, é bom observar que, na elaboração de uma lei, um dos elementos principais a serem considerados é o aspecto social. As leis são feitas para organizar as condições de vida das pessoas dentro da sociedade e tornar possível a boa convivência. As prerrogativas legais concedidas às pessoas devem ser exercidas não apenas em proveito próprio mas também levando-se em conta os interesses sociais. Assim, o estudante bem formado tem todo o direito de ocupar sua vaga na melhor universidade, desde que essa ocupação não represente a exclusão de milhares de outros que não tiveram oportunidade de se formar bem. E o princípio de ação afirmativa contido na política de cotas para negros nas universidades, o que visa é corrigir uma desigualdade mais do que comprovada.

Apesar de nossa Constituição proclamar que os direitos devem ser iguais para todos os brasileiros, este ideal até agora não se concretizou para o povo negro como um todo. Então, tratar de maneira diferenciada um grupo que teve e tem menos oportunidades de acesso a saúde, educação, moradia, trabalho etc, embora pareça inconstitucional, é uma obrigação do Estado brasileiro, em atenção ao princípio de que toda Lei deve ter um alcance social, sendo feita e posta em prática para beneficio de toda a sociedade. Mesmo porque o que a lei condena é a discriminação e não a aceitação da diversidade.

Esse tratamento diferenciado não é um privilégio e, sim, uma tentativa de diminuir a enorme desigualdade social que exclui o povo negro, concedendo a este povo, finalmente, direitos que sempre lhe foram sonegados por conta das várias formas de racismo sob a quais sempre se escondeu a propalada “democracia racial” brasileira. Criar políticas de ação afirmativa em beneficio do povo negro, isto sim é que é “democracia racial”. Pois é criar oportunidades de acesso à completa cidadania, começando pela educação, levando em conta a diversidade étnica de toda a população.

Mas só instituir essas cotas não basta. Observemos que hoje, entre as melhores universidades públicas brasileiras, apenas a Universidade Federal de Goiânia tem em seu corpo docente mais de 1% de professores negros – para sermos mais exatos, tem 1,2%. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, que aliás foi a primeira a instituir o sistema de cotas em seu vestibular, tem apenas 0,21% de negros entre seus 2.300 professores.

A erradicação do racismo no Brasil, então, pressupõe melhorar a educação em todos os níveis. E, além da educação, melhorar a saúde, as oportunidades de emprego, as condições de moradia, transporte etc.

Nesse quadro, o ingresso de alunos negros e futuros professores nas universidades (o simples fato de chegarem eles ao vestibular, apesar de todas as condições adversas, é seu grande mérito) através do sistema de cotas (naturalmente abolido quando seus objetivos forem totalmente atingidos) é o principal resgate da dívida que a sociedade brasileira contraiu com o povo negro há exatos 120 anos.

Extraído do site do autor:
http://www.neilopes.blogger.com.br/

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sapucaia do Sul e a lei 10639/03

Um breve histórico da questão racial no Brasil

Transladados de terras distantes, os negros que vieram a compor a maior parcela da mão-de-obra da nossa história passaram por imensas dificuldades. Resultado de uma concepção racista, a lógica de negociar seres humanos de pele escura como se fossem gado, perpassou séculos e continentes. A grave situação social, pela qual os descendentes de africanos hoje passa, vem daquele histórico, de barbárie em prol de um dito processo civilizatório. Projetos sociais que hoje se multiplicam visam amenizar as graves consequências de uma herança histórica.

No Brasil pré-colonial, os chamados indígenas viviam conforme a concepção de uma comunidade coletiva, com um grau de “primitivismo” que pouco perdurou após a chegada do homem branco europeu. Rompendo drasticamente com a sistemática da partilha, da igualdade, da liberdade e da solidariedade, o colonizador europeu extirpou riquezas e atacou costumes: um processo de “domesticação” levado a efeito segundo os princípios do catolicismo pós-idade média. Havia um objetivo fundamental, que passava pela obtenção maior possível de bens materiais. Num primeiro momento, esses bens eram pedras e metais preciosos. Não obstante, o processo de apropriação estendia-se aos corpos das indígenas, muitas sendo estupradas pelos desbravadores lusitanos.

A chegada dos escravos africanos foi acompanhada de uma profunda transformação, tanto da história do nosso país quanto da vida dos forçados imigrantes. O território começava a se configurar e dar forma àquilo que viríamos a denominar de Brasil. Atravessando diversos ciclos econômicos, o negro escravo, cujo modo de vida tinha aspectos em comum com os nossos indígenas, foi sendo usado à exaustão. Aqueles que sobreviviam à sofrida escravidão eram mantidos à distância da posse dos meios de produção e do contato com o conhecimento formal. Concomitantemente, constituía-se o país e extirpavam-se traços de humanidade dos descendentes dos povos africanos. Deste processo, resultam profundas contradições, até hoje muito presentes na “guetização” crescente em favelas brasileiras.


Processo de escolarização em terras brasileiras


Bem como a discriminação tão presente na lógica comercial-escravocrata européia, a formação de espaços educacionais em nosso país obedeceu à ideia de inferiorização daqueles que destoavam do fenótipo de padrão europeu. A exploração dos espaços invadidos pelos colonizadores ocorria segundo a perspectiva de que os seres inferiores deveriam se civilizar. Ou seja, especificidades culturais eram jogadas na lata de lixo da história, juntamente com muitos corpos mutilados, violentados. Disfarçados de catequistas, membros de religiões dos brancos promoviam um verdadeiro massacre, destruindo inclusive registros escritos.

“São escassos os registros relativos à população akwe-xerente anteriores ao século XIX. Independentemente de um possível contato com os missionários jesuítas, as poucas historiografias existentes evidenciam que o início da formalidade do ensino, no âmbito da sua realidade, se encontra num modelo educacional catequético. Seja na missão dos capuchinhos ou nas desobrigas dos freis dominicanos, vê-se a escola surgir a partir do olhar de quem se percebe como elemento pertencente ao topo da escala evolutiva, de quem enxerga, nas variadas culturas, um percurso único pelo qual todos devem passar. Essa lógica de pensamento, típica das ideologias dominantes, deu um novo rumo para o processo dinâmico próprio ao contexto sócio-político-cultural das suas comunidades. Do contato adveio a sobreposição de um ser ao outro, um cotidiano ao outro, um sonho ao outro.”

FERREIRA, Rogério. “A educação escolar no universo akwe-xerente”. In A metamorfopsia da educação: hiatos de uma aprendizagem real. Organização Alexandre Dias, Rogério de Almeida. São Paulo, Zouk, 2002, p.108.



O fim da escravidão e a situação do negro no país


O processo abolicionista no Brasil não foi acompanhado da conscientização dos proprietários quanto à reparação da situação de desigualdade aqui estabelecida. A discussão por parte daqueles dava-se quanto à indenização para reparar uma perda material. Alegavam os mesmos que, não podendo mais explorar a mão-de-obra que haviam importado da África, agora estariam em prejuízo.

As elites se acertaram: ficou decidido que os proprietários receberiam a tão pedida indenização. Por outro lado, para suprir a necessidade de mão-de-obra, facilitaram o ingresso de imigrantes para o trabalho em nossas terras. Essa foi a solução apresentada. Quanto aos escravos, que agora saíam dessa condição? Foram relegados à marginalidade; alguns continuaram na mesma situação de perda da liberdade, embora disfarçada, e outros começaram o processo que daria início à favelização em nosso país.

Dadas as circunstâncias históricas, é possível ter uma ideia da atual situação do negro em nosso país. Se a discriminação racial é imensa no Brasil atual pensemos bem como era no final do século XIX!

A lei 10.639 foi criada recentemente para começar a criar condições para corrigir uma questão histórica. Isso porque necessitamos ter consciência sobre os problemas para que possamos dar início ao encaminhamento de soluções. Nesse sentido, as escolas necessitam organizar os seus currículos para abordar a condição de exclusão social em nosso país. Exclusão essa, que se estende a tantos outros segmentos da sociedade.

Em termos de Secretaria de Educação, estamos propiciando formação para nossos professores abordarem em sala de aula a questão das diferenças étnicas. Dividido em dois blocos por noite, o Seminário irá tratar relevantes temas para dar início ao processo de instrumentalização dos nossos profissionais quanto à abrangência de um assunto que diz muito da nossa história.



Vanderlei Genro - Mestre em História, Diretor Pedagógico SMED. 29/setembro/2009