sábado, 30 de outubro de 2010

Orúko - Memórias e Heranças Negras


14/10/2010

De 3 a 5 de novembro de 2010, a Secretaria da Educação – SEC/BA, através do Instituto Anísio Teixeira – IAT, se une às celebrações do Mês da Consciência Negra e realiza o Orúko - Memórias e Heranças Negras – evento com diversas atividades que trazem à tona as discussões sobre a identidade africana e afro-brasileira e sua memória de luta pela igualdade. A iniciativa, voltada para professores e alunos da rede pública de enisno, conta com a parceria do Ministério Público da Bahia – MP/BA e da Coordenação de Educação para as Relações Etnicorraciais e Diversidade da SEC/BA.

De origem iorubá (ou yorùbá, idioma de origem africana), orúko significa uma pergunta muito comum: qual é o seu nome? Mas, no Mês da Consciência Negra, o questionamento impacta uma resposta de relevância social. Segundo Josemara Souza, representante da equipe organizadora do evento, o Orúko é um chamado para a aceitação e a valorização da identidade negra. É a auto-afirmação de toda a contribuição cultural e científica que mulheres e homens negros têm produzido na Bahia, no Brasil e no mundo, mas que ainda são pouco divulgadas e reconhecidas pela sociedade.

“Normalmente, a imagem dos negros é estereotipada pelo apelo ao exótico. Temos o legado de beleza, dança, religião e música, mas também temos a literatura, a ciência, a produção intelectual. Obras que precisam sair do gueto, serem fortalecidas, divulgadas e reconhecidas amplamente”, explica Josemara, que cita exemplos como Milton Santos, Manuel Querino, Mãe Stella de Oxossi e a primeira juíza negra do Brasil, Luislinda Valois.

Orúko Memórias e Heranças Negras integra as diversas ações formativas da SEC/IAT que objetivam fomentar na rede pública de ensino o debate sobre a importância da cultura do povo negro na história brasileira. Mais uma iniciativa que discute questões pertinentes à aplicação das leis federais nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que incluem no currículo oficial da Educação Básica a obrigatoriedade das temáticas "História e Cultura Afro-Brasileira" e “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, respectivamente.

Um dos destaques do evento é a proposta de compartilhar os conhecimentos de pesquisas etnográficas com enfoque no acervo literário afro-brasileiro. As atividades objetivam expor o cenário da África transplantada à Bahia e a sua relação histórica e social com o patrimônio imaterial baiano; a apresentação dos autores da literatura africana que se dedicam à valorização da memória social de culturas africanas; além da interpretação de contos afro-brasileiros para conhecer o contexto sociocultural e a dinâmica pedagógica do legado africano do Brasil.

Os trabalhos ainda conduzirão o público a descobrir, nos signos linguísticos do português brasileiro, os “aportes” e “decalques” africanos presentes em contos afro-brasileiros e discursos cotidianos do baiano. A perspectiva é identificar possíveis enfoques temáticos nos textos da literatura africana do Brasil, visando a transformação do currículo etnocêntrico europeu em um currículo de valorização da diversidade cultural.

Para isso, a programação conta com realização de mesa-redonda para debate, oficinas pedagógicas de linguagem cênica com recriação de contos afro-brasileiros e videoconferência sobre estratégias para implementação das leis 10.639/03/ e 11.645/08 nas escolas. Também serão apresentadas as experiências das escolas públicas estaduais que foram beneficiadas com projetos realizados por professores da rede, participantes do curso de história e cultura africana e afrobrasileira - Agora a História é outra, oferecido pela SEC/IAT. O público poderá apreciar ainda a exposição de fotos das ações e projetos desenvolvidos pela Coordenação de Educação para as Relações Etnicorraciais e Diversidade da SEC/BA e pelas escolas públicas participantes.

Programação

03 de novembro de 2010
8h30 às 12h
Oficina Pedagógica de Linguagem Cênica com recriação de Contos Afro-Brasileiros
Profa. Janice Nicole
13h30 às 17h30
Oficina Pedagógica de Linguagem Cênica com recriação de Contos Afro-Brasileiros
Profa. Janice Nicole

04 de novembro de 2010
8h30
Apresentação cultural
8h50 às 12h
Videoconferência: Disciplinar ou Transversalizar? Metodologias para implementação da Lei 10.639/03/11.6645/08 no currículo
12h às 14h
Almoço
14h às 17h30
Apresentação das ações exitosas sobre a implementação da Lei 10.639/03 por escolas da rede estadual

05 de novembro de 2010
8h30
Apresentação cultural
9h às 12h
Apresentação das ações exitosas sobre a implementação da Lei 10.639/03 por escolas da rede estadual
12h às 14h
Almoço
14h às 17h30
Apresentação das ações exitosas sobre a implementação da Lei 10.639/03 por escolas da rede estadual

Exibição de filmes temáticos referentes à superação do preconceito étnico e cultural com referência a origem africana

Horários: 12:00 às 13:30
Local: Auditório
Dias: toda quinta -feira, de 4/11 a 25/11

Obs: Teremos lanche pela manhã e tarde, e almoço nos dois dias.

Local: Instituto Anísio Teixeira (Estrada das Muriçocas, s/n, Paralela, Salvador- BA)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Samba por Nei Lopes

Na pluralidade do samba


Nome: Nei Lopes

Formação: Autor e intérprete de música popular. Pesquisador do samba e do choro, escritor, militante desde a juventude no movimento negro brasileiro.

Obra: Em seu legado para a cultura brasileira incluem-se as composições como Gostoso Veneno, Coisa da Antiga, Senhora Liberdade, Goiabada Cascão e Samba de Irajá. Atualmente, além do seu trabalho com o Samba, trabalha na elaboração da Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, sobre verbetes do universo do Samba e do Choro.


Olha, eu tenho todo um campo de reflexão sobre a participação do elemento africano e afro-descendente na cultura brasileira. Então, evidentemente, que eu teria que passar pelo samba, que é o segmento mais visível em termos da musicalidade brasileira, é o segmento mais visível dessa participação. Então, eu tenho estudado, ao longo dos anos, a questão do samba, a questão das escolas de samba. Só que, em relação às escolas de samba, como é um fenômeno, no meu entender, já absolutamente comprometido com a indústria cultural, já extrapolou os limites da criação popular, então, eu já abandono um pouco as minhas reflexões sobre a escola de samba. Prefiro me centrar hoje no samba enquanto gênero de música popular brasileira, enquanto matriz da grande música que se faz nesse país.


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Entrevista com Nei Lopes

Salto – Há quanto tempo você tem se dedicado à música, como cantor e compositor?

Nei Lopes – Olha, eu tenho uma carreira profissional iniciada em 1972, já se vão 32 anos. Então, eu acho que são três décadas dedicadas à cultura popular brasileira em duas vertentes: na vertente do compositor, de criador e na vertente de crítico, pessoa que procura refletir sobre a realidade da música brasileira. Vou falar sobre a primeira: refletir sobre a realidade da música brasileira. A primeira gravação minha como compositor profissional foi em 1972 e a primeira reflexão publicada foi em 1981, num livro em que eu, exatamente, procurava analisar questões envolvendo basicamente as escolas de samba do Rio de Janeiro e fazendo até um certo exercício de futurologia com relação às coisas que estão acontecendo hoje, isso em 1981. É uma caminhada.

Salto – E essas coisas estão acontecendo?

Nei Lopes – Estão acontecendo, a minha reflexão primeira foi em cima da questão das escolas de samba que sofreram uma transformação muito grande, a partir de meados da década de 70. E as transformações se refletiram, exatamente, num privilégio do espetáculo em detrimento do fazer cultural, propriamente dito. Quero dizer, a questão do mercado, a questão da indústria sobrepujou a questão da criação coletiva, no meu modesto julgamento. Isso em termos de escola de samba, que é uma coisa, o samba é outra coisa diferente, são duas instituições que, em certo momento histórico, se cruzam, mas são duas coisas diferentes e eu procuro enfatizar a diferença entre uma coisa e outra. Quando a escola de samba foi criada no Rio de Janeiro, a Instituição Escola de Samba, na década de 20, o samba já existia há muitas décadas antes. Muito antes.

Salto – Como tem sido pesquisar a origem do samba?

Nei Lopes – Olha, eu tenho todo um campo de reflexão sobre a participação do elemento africano e afro-descendente na cultura brasileira. Então, evidentemente, que eu teria que passar pelo samba, que é o segmento mais visível em termos da musicalidade brasileira, é o segmento mais visível dessa participação. Então, eu tenho estudado, ao longo dos anos, a questão do samba, a questão das escolas de samba. Só que, em relação às escolas de samba, como é um fenômeno, no meu entender, já absolutamente comprometido com a indústria cultural, já extrapolou os limites da criação popular, então, eu já abandono um pouco as minhas reflexões sobre a escola de samba. Prefiro me centrar hoje no samba enquanto gênero de música popular brasileira, enquanto matriz da grande música que se faz nesse país.

Salto – Essa pesquisa tem contribuído para o Nei Lopes artista, que canta, que compõe?

Nei Lopes – Esse trabalho, esse estudo tem me embasado no sentido de me fortalecer cada vez mais nas minhas convicções. Eu tenho uma percepção clara de que existe toda uma estratégia internacional hoje, da indústria cultural, no sentido de pasteurizar, no sentido de nivelar, no sentido de desnacionalizar a música em nível planetário. Criou-se um padrão musical que interessa ao mercado, esse padrão é imposto em todos os países, em todos os quadrantes do planeta Terra. Então, esse conhecimento, essa consciência me embasa para procurar fazer um samba, uma música popular brasileira que seja, cada vez mais, resistente a essa estratégia, e é isso que eu tenho feito ao longo dos anos. Quer dizer, há todo um contexto que é contrário a essa afirmação da nacionalidade, da música popular brasileira contra o qual eu me insurjo. E como é que eu me insurjo? Me insurjo fazendo uma música que procure ser, cada vez mais brasileira, cada vez mais peculiar e, cada vez mais múltipla, é isso que eu procuro fazer.

Salto – O senhor acredita que o samba ainda é visto de maneira preconceituosa?

Nei Lopes – Absolutamente, completamente preconceituosa. O samba é sempre associado, primeiro por suas origens negras, o samba é sempre associado à escravidão, associado à pobreza, é associado à favelização, associado à criminalidade, e essa é a grande estratégia que é usada pela indústria cultural globalizante, no sentido de colocar o samba numa condição subalterna sempre. E é também uma estratégia que compõe todo esse complexo de dominação e de colonização cultural. Uma das estratégias também é taxar o samba como uma coisa imóvel, como uma coisa velha, como uma coisa que não se renova. Eu escrevi um livro, há uns dois anos, chamado Samba b – a – ba, o samba que não se aprende na escola. Esse livro mereceu oito páginas de uma revista elegante, uma revista finíssima que é editada em São Paulo, editada, inclusive com muito patrocínio do Governo. Então, é uma revista muito bonita, de altíssimo nível, ela tem papel couchê, custa caríssimo nas bancas... Essa revista se ocupou do meu livro, num artigo altamente tendencioso, usou 8 páginas para falar do meu livro, acusando o livro de coisas: que o livro era passadista, era reacionário. O título da chamada de capa dessa crítica, veja bem, dizia assim: “Nei Lopes – O samba em formol”. Eu absolutamente não advogo que o samba tenha que ficar “museificado”, tenha que ficou imóvel, nada disso, eu sou uma das pessoas que mais propugnam pela visibilidade, pela diversidade, pela multiplicidade do samba. Agora mesmo, estamos aqui no estúdio, estou concluindo mais uma produção, mais um disco meu, um disco em que eu procuro evidenciar essa diversidade, por exemplo. É um disco de samba com algumas informações afro-cubanas, porque eu acho que os universos do samba são irmãos. São muito semelhantes, são duas coisas que se cruzam a todo momento, o que não acontece, por exemplo, com a música afro norte-americana, em relação à brasileira. Os negros americanos não usaram tambor, foram historicamente despossuídos do tambor pela colonização, pela evangelização dos protestantes. Enquanto que os negros da América-hispânica, da América portuguesa, como, nós, usaram sempre o tambor. Então, você pega a música de Cuba, a música de Porto Rico, a música da República Dominicana, a música do Haiti, até o próprio Prata, do Uruguai até a Argentina, há uma similitude entre essas músicas, porque elas têm origens comuns, a origem na grande civilização Banto, lá do Congo, Angola e adjacências, o que não ocorre com a música dos Estados Unidos. Então, você pega um samba e o associa com a música afro-hispânico, a música centro-americana, é absolutamente coerente, não é colonização, nem coisa nenhuma. Você está promovendo o encontro entre parentes que foram, de uma certa forma, dispersos pela escravidão e etc. e tal. Então, eu procuro no meu trabalho, sempre que posso, chamar o samba para essas associações e exatamente por isso. Para mostrar que o samba é plurifacetado, o samba é um gênero musical altamente rico, não é velho, porque ele se renova a cada momento, desde o primeiro samba, registrado como samba, que foi “Pelo telefone”, a gente observa que, a cada década, há uma renovação da expressão dessa pluralidade do samba, que também está vivo até hoje por causa disso. E, às vezes, até é meio difícil perceber essa diversidade, inclusive em sub-gêneros, que às vezes são mostrados como gênero, como por exemplo, a Bossa Nova, é um samba, é uma forma de fazer samba. O choro como forma instrumental de se tocar o samba, o chamado sambop, o samba jazz surgido aqui no Rio de Janeiro no contexto da Bossa Nova, o samba de piano, baixo e bateria. Aí está um dos poucos momentos em que a tradição norte-americana e a tradição brasileira se encontram. Mas se encontram por via do jazz primeiro, mas o jazz tocado com um acento de samba e por aí vai. Então, o samba é essa diversidade, inclusive essas formas mais modernas, supostamente mais modernas, que emanam da Bahia com muita sensualidade, com muita, o chamado samba-axé, ou samba de quebradeira, são tradições também bastante arcaicas do Recôncavo Bahiano, das quais indústria cultural se apropriou. Então, o que eu procuro fazer sempre, é mostrar essa diversidade, essa pluralidade e mostrar que o samba está vivo aí, não está velho e não está no formol.

Salto – Por que o senhor acredita que o conceito de pluralidade cultural ganha tanta importância no mundo hoje?

Nei Lopes – Eu acho que há uma dualidade de pensamento aí, eu acho que os intelectuais, os intelectuais “do bem” (risos), procuram enfatizar a questão da pluralidade e procuram valorizar essa questão. Ao passo que outras expressões intelectuais que não são tão “do bem” assim, que estão visando muito mais o capital, são expressão de um capitalismo bastante perverso, bastante massacrante, já não valorizam a pluralidade do jeito que a intelectualidade do bem valoriza. Porque não interessa... o mundo hoje é comandado por corporações, cada vez menos corporações. Digamos que hoje você tem conglomerados, uns 4 ou 5 conglomerados comandando a cultura no mundo inteiro. Então, evidente, que quanto mais se concentra o poder nas mãos desses conglomerados, menos a pluralidade interessa. Você tem, para dominar o mercado, você tem que ter um mercado homogêneo. Então, essa homogeneidade é contra todo tipo de pluralidade. Eu acho que quem valoriza a pluralidade somos nós, eu, você (apontando para a equipe do Salto), os espectadores aí que estão assistindo ao nosso programa, mas o grande, o Big Brother que manda nessa história toda, eu acho que ele não gosta de pluralidade não.

Salto – O senhor acredita que a música popular brasileira retrata a pluralidade cultural do país?

Nei Lopes – Olha, existem duas músicas populares brasileiras, dois escaninhos de música popular brasileira. Existe a música popular brasileira que é espontânea, de criação popular mesmo e essa você vai encontrar onde? Nas produções independentes, nos centros mais afastados. E existe outra música imposta por essa indústria de que nós estamos falando, cujos porta-vozes são os meios de comunicação atrelados a essa indústria. A gente teve, dias atrás, a entrega de um prêmio, que é supostamente o prêmio mais importante da música popular brasileira, em que não houve nenhuma premiação para o gênero samba, houve para o hip hop, para o universo pop, mas no entanto, numa estratégia, aquela coisa do álibi, numa espécie de álibi, o que os organizadores do prêmio fizeram? Pegaram o Jamelão, o nosso grande José Bispo Clementino dos Santos, nosso grande mangueirense, botaram lá e fizeram um grande final da premiação com Jamelão, mais a Escola de Samba da mangueira. É sempre assim! Efetivamente o samba não tem nada a ver, não participa do mercado, isso na visão deles, mas aí como álibi, para não dizer que são anti-samba, ou antinacionais, o que que fazem? Pegam alguém que representa alguma coisa do samba e bota num “gran finale”, num oba-oba e etc e tal. Quer dizer, então o que a gente vê é isso. Apesar disso tudo, existe hoje uma produção musical independente muito forte, no Brasil inteiro. Existe uma rede natural e espontânea de troca de informações, a internet inclusive veio facilitar muito isso. Os artistas do samba estão trabalhando e muito bem, eu inclusive, em todo país, sempre sendo prestigiado, sempre sendo chamados, independente de qualquer coisa, Evidentemente que ninguém do samba, pelo menos o que eu conheça, à exceção de uns dois ou três, que merecidamente está lá no pódio, à exceção de um ou dois que a indústria cultural admitiu. Nenhum sambista está andando de BMW, tendo jatinhos, etc e tal... Mas, pelo menos, os que estão trabalhando estão conseguindo, como trabalhadores, ter uma remuneração condizente dentro dos padrões nacionais. Isso é importante, nós somos trabalhadores da música, não somos? Ninguém nasceu para ser “superstar”, ser “popstar”. Então, a gente tendo a remuneração condigna, tendo a possibilidade de cuidar direitinho da saúde, tendo a possibilidade de aos 62 anos ter essa aparência bonita, modéstia à parte, então tudo bem, está tudo certo, está tudo legal.

http://www.redebrasil.tv.br/salto/

Política de cotas

A políticia de cotas como uma ação afirmativa

Nome: Maria Cláudia Cardoso Ferreira

Formação: Pesquisadora do PROAFRO, professora de História da rede municipal de ensino, militante do Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) e aluna do curso de mestrado em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


IBGE há pouco fez uma pesquisa e perguntou — “Existe racismo no Brasil?” A maioria das pessoas disse que sim, que existe racismo no Brasil Aí, para a pergunta: “Você é racista?”, elas respondem: ¾ “Não.” Então, quem é racista? Essa é a grande hipocrisia do país. Sabe por quê? As pessoas entendem que existe racismo no Brasil? Eu acho que a pergunta tinha que ser essa — “Isso te incomoda? O que você tem feito pra mudar isso?


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Entrevista com Maria Cláudia Cardoso Ferreira

Salto – Qual a importância das cotas para negros e para estudantes vindos do ensino público na nossa sociedade, atualmente?

Maria Claudia – A questão das cotas, ela insere uma discussão no Brasil hoje que tem a ver com a questão da distribuição da renda. Isso é uma coisa, porque educação é ascensão social, é um dos caminhos para a ascensão social. Ela insere uma outra discussão, que tem a ver com o convívio de pessoas de diferentes realidades, com diferentes histórias. Esse convívio, entendia-se antigamente, numa outra perspectiva teórica e de nação, entendia-se que esse convívio tinha que ser homogêneo, pasteurizado, e hoje não. As perspectivas, a partir dos anos 60, dentro da teoria e do projeto de nação, para o mundo e para o país, principalmente, são de que a gente tem que trabalhar com essa pluralidade, com a diversidade. Essa divergência não é só étnica, ela também é econômica. Porque os grupos, as classes populares, eles têm contribuições que são trocadas nesse espaço que é a universidade. Universal no sentido de que é de todos e não só de um modelo de pensamento e de educação.

Salto – Por que uma parcela tão grande da sociedade reage tanto a essa política de cotas?

Maria Claudia – Voltando para a questão do poder, se a gente entende educação como um espaço de ascensão social, você tem uma estrutura que está montada, que está arrumadinha... E quando você faz uma política pública, no caso uma política de ação afirmativa, ainda que não seja uma política de alcance, de contingência nacional, encontra reações. Existe um grupo que tem condições para estar chegando a esse lugar, que tem determinado Ensino Médio, que tem que fazer uma prova, um vestibular, que tem que ser aprovado nesse vestibular para poder entrar nessa universidade. Mas é uma parcela, que antes não chegava a isso porque, no país, nunca se pensou em educação para todos, numa educação em massa, numa educação superior. Sempre se pensou numa educação para um grupo. Então, o que vai acontecer? Esse grupo, que está na base, ele vai empurrar quem sempre esteve nesse lugar e aí vai começar a confusão, porque as pessoas não querem abrir mão dos seus lugares. Então, eu costumo dizer que eu não sei se um filho de médico queria ser médico, mas muitos filhos de médicos acabam se tornando médicos. Por que isso aconteceu? Porque as pessoas querem manter o poder, querem manter os seus lugares, assim como os filhos dos advogados tornam-se advogados. E tem uma coisa bem interessante, que eu fico vendo as pessoas dizerem. Depois que houve essa discussão de cotas, é que começou a se dizer que tem que melhorar o ensino técnico. Por que todo mundo tem que fazer faculdade? Eu também acho isso, eu acredito que se a classe média, a classe média alta, todas as pessoas que estão ali, os jovens de hoje, eles querem fazer faculdade, mas eles são empurrados a fazer faculdade, porque isso é status no País hoje. Então, é por isso que eu acredito que as pessoas têm batido tão de frente com essa situação, porque elas não querem perder esse privilégio. E a educação no Brasil ainda é encarada como um privilégio para alguns, doutor não é para todo mundo. Por isso é que as pessoas questionam tanto.

Uma outra coisa em eu que acredito, em relação à questão de cotas para negros, tem toda uma discussão que é desse racismo velado, de uma falsa idéia de que está tudo bem e que isso não incomoda os negros. Porque, se eles correm atrás, eles vão chegar naquele lugar... Isso é mentira. A gente viu, há pouco tempo, aquele dentista, lá em São Paulo que foi assassinado num carro, tinha uma semana que tinha se formado dentista, filho de um coronel da PM, uma pessoa de classe média, que por não ter mostrado primeiro o documento, ele foi assassinado. Então é assim, a cor é um marcador de inferioridade, o corpo negro, ele informa o lugar social. Isso a gente não pode esquecer. As pessoas dizem que não, mas isso com certeza. Se eu chego num espaço e não digo o que eu sou, as pessoas vão ter uma idéia de mim. Depois que elas sabem quem eu sou, dependendo da importância que isso tem para elas ou não, me dão um pouquinho mais de valor. Acho que é hipocrisia achar que isso não acontece no Brasil.

Salto – Você compartilha a idéia de que existe um racismo velado?
Maria Claudia – Isso é um lugar comum no Brasil, dizer que o racismo é velado. E aí faz o quê? Continua com o racismo velado? Porque o IBGE há pouco fez uma pesquisa e perguntou — “Existe racismo no Brasil?” A maioria das pessoas disse que sim, que existe racismo no Brasil Aí, para a pergunta: “Você é racista?”, elas respondem: ¾ “Não.” Então, quem é racista? Essa é a grande hipocrisia do país. Sabe por quê? As pessoas entendem que existe racismo no Brasil? Eu acho que a pergunta tinha que ser essa — “Isso te incomoda? O que você tem feito pra mudar isso? Isso prejudica o crescimento do país?” Porque uma população enorme que não tem educação, não tem acesso a emprego pleno, isso prejudica o crescimento do país. Tem uma população que está na indigência. E essa população, em sua maioria, é negra ou muitos não se consideram negros, mas são negros. Essa perspectiva de que são descendentes dos africanos. Se você for pegar lá, numa perspectiva cultural e biológica, são os descendentes dos africanos. Nesse sentido, eu acho que tem que fazer política pública para essa população, senão o país não vai crescer. Essa história de crescimento econômico não vai funcionar.

Salto - Quem não seria negro no Brasil? E quem é branco no Brasil?

Maria Claudia – Eu tenho uma tataravó italiana. Agora, se eu for procurar emprego no shopping, alguém vai me dar emprego porque eu tenho tataravó italiana? Eu tenho bisavós da outra parte da minha família indígena – a minha avó, mãe de meu pai, é uma mulher negra de pele muito clara e cabelo cacheado. Tem uma presença indígena negra muito forte na minha família branca. A minha bisavó é filha de uma mulher italiana com um homem negro, fugido, e ela fugiu de casa e se casou com ele. Então, o que acontece? Só que, quando eu for procurar um emprego hoje, quando eu chegar em um espaço, e fizer um concurso público e tiver um chefe discriminador racista, ele não vai me dar ascensão social. Ele não vai me promover, vai promover o outro. Por quê? Eu tenho na minha árvore genealógica presença indígena, africana e européia. O que marca o meu corpo hoje? A idéia de raça, ela não está fundada na biologia. A idéia de raça está fundada no que diz o Antônio Sérgio Guimarães, que é um sociólogo de São Paulo, da USP, e outros teóricos estrangeiros que trabalham com a idéia de raça social. As pessoas escolheram características biológicas que não devem definir a vida das pessoas, mas as pessoas escolhem essas características biológicas para definir o lugar para essas pessoas. Então, o fato de ter pele escura, de ter cabelo crespo, de ter fenótipos, marcadores no meu corpo de uma história, de uma biologia que está na África, faz com que eu tenha espaços em que eu possa ir e espaços em que eu não possa ir. Eu costumo dizer isso, se eu for procurar emprego no shopping hoje e disser que eu tenho uma ancestralidade européia, alguém vai acreditar nisso? Isso vai fazer com que um cliente me veja como uma pessoa idônea? É isso que a gente tem que pensar. Isso funciona ao contrário, quem tem um corpo com mais presença européia, o fenótipo vai possibilitar o acesso, as portas vão se abrir mais rápido para essas pessoas, porque se entende que quem tem o fenótipo europeu é mais decente, é mais inteligente é mais preparado e mais bonito, é assim que se construiu a idéia de racismo nesse país. Isso é verdade? Isso é o que a gente tem que questionar. Eu não acredito na biologia, mas a sociedade brasileira hoje ainda acredita em biologia e faz essas diferenças e essas divisões sociais. É estar mais longe do africano possível, mais longe do negro possível! Então, ter boa aparência é estar mais longe desse fenótipo do negro. Isso é que é ter boa aparência. É claro que a gente tem que levantar uma ou outra questão, a gente tem que conjugar isso com o capitalismo que tem maneiras de excluir. E ele escolheu algumas combinações. Na verdade, tem uma combinação que é pobre, negro e nordestino. Essas coisas se combinam para poder estabelecer a massa que vai ser excluída. Então, se você combina essas coisas, você fica cada vez mais longe. Se você é negro, se é mulher, se é empobrecido e oriundo da periferia ou do Nordeste, você agrega fatores de exclusão, cada vez mais. Você vai ter mais dificuldade de acessar os bens de cidadania, do direito de cidadania.

Salto – Qual o papel da escola nessa luta anti-racista e antipreconceitos?

Maria Claudia – Eu acho que a primeira coisa que a gente tem que fazer enquanto educador é desconstruir essa idéia de hierarquia, de que existem melhores e piores. É claro que é muito difícil fazer isso, muito difícil problematizar isso com crianças. A gente tem que trabalhar isso. Eu me lembro de que, ano retrasado, na escola, eu perguntava para eles, para os meus alunos: Quais os grupos que formaram a sociedade brasileira? Eu estava começando a trabalhar com ocupação do Brasil, a questão do “descobrimento” e eles falavam dos portugueses – dos brancos. Alguns falaram dos indígenas, mas nenhum aluno falou dos negros, alunos negros! Então, não sei de onde eles surgiram, porque eles não conseguiam se ver originados dessa população. Aí, eu comecei a problematizar com as crianças. Perguntei para elas, por que, numa escola com vários alunos negros, vocês não falaram do negro enquanto povo, africano, enquanto povo que veio para cá e que colonizou o país também? Aí eles falaram — “Porque eles foram escravos, professora”.

Porque o livro didático, ele se esforçou durante esse tempo todo, em colocar o negro como escravo. Esse lugar do escravo é o lugar do inferior, que aceitou ser escravizado e que foi trazido como mão-de-obra. Isso é uma mentira. Os estudos de relações sociais e de escravidão, eles comprovam: a primeira coisa é que você traz uma população que já está preparada para esse tipo de trabalho, que é um trabalho hiperdiversificado. A colônia não foi “plantation” a vida toda. A colônia foi transformando e crescendo e diversificou as atividades. Você tem histórias de cativos, de escravos, de negros escravizados que já podiam comprar sua alforria e que o senhor não dá alforria. Mas ele também tem uma vida até melhor em relação aos bens, às condições de vida, até melhor do que a de outros libertos, porque ele tem uma profissão, ele é um dentista. Chamava de dentista, aquela pessoa que extraía dente. Ele tinha uma profissão específica e essa profissão lhe dava condições de ter uma vida melhor, mas ele era propriedade de alguém ainda. Então o período de escravidão no Brasil é amplo, diversificado, mas o livro didático, durante muito tempo disse o quê? Que você era escravo, propriedade de alguém, que apanhava, que era inferior, que aceitava a escravidão. Ou, no máximo, aquela história do negro que é um herói, que rompeu com tudo, como são alguns símbolos. O que acontece com a sala de aula? Eu acho que o professor, ele tem que colocar os dois lados, ele tem que colocar as contribuições de cada povo, essas imbricações, como que essas coisas se misturaram, colocar o que foi positivo nisso, o que foi negativo nisso. A gente não pode fingir que isso foi pacífico, a chegada do colonizador não foi pacífica. O indígena resistiu, mas também foi assimilado, e o português também se assimilou à cultura indígena. Porque isso faz parte da constituição dos encontros e dos momentos em que grupos culturais se encontram. Isso faz parte de qualquer ocupação. Na Península Ibérica já foi mesma coisa, você tem toda uma história de Portugal e Espanha que está fundada no Oriente. Por quê? Foram 700 anos de ocupação Árabe. Então, como não ter na cultura portuguesa e espanhola coisas da cultura oriental? A mesma coisa aconteceu no Brasil! Só que a gente quis a vida toda passar uma idéia de um Brasil branco, mais próximo da Europa, porque isso era progresso. Eu acho que é nesse sentido que acontece.

O professor ainda tem pouco subsídio, ele foi formado nessa escola, nessa universidade com a matriz branca, matriz européia, então ele não consegue ainda trabalhar com essas outras contribuições. Quando ele trabalha com a contribuição, ele trabalha muito na perspectiva culturalista. E de uma cultura reduzida, que é da manifestação cultural. A definição de cultura não é essa. Acho que manifestação cultural é uma parte da definição de cultura. Então, aí o negro entra como batuqueiro, com a comida, com a emoção. O índio com a questão do corpo, de pintar o corpo com as danças, com a cultura da roça. Eu acho isso muito pouco, muito reduzido. Mas tem a ver com formação, por isso é que eu acho que é interessante essa questão da lei que Lula assinou, de ensinar a história da África e a história do negro no Brasil! Isso é importante, no sentido de que a gente tem que rever a história do Brasil, Praieira, Cabanagem, Balaiada, tudo isso tem que ser recontado, e com a participação negra e indígena.

Salto – Você acredita que racismo, discriminação e preconceito também estão presentes dentro da escola? De que forma?
Maria Claudia – Todo dia. E, às vezes, de uma maneira muito simbólica. É claro que têm umas situações que são mais gritantes, outras que são situações mais simbólicas. Um exemplo: uma das escolas em que eu trabalho, no Dia Internacional da Mulher, fizeram um cartaz bonito sobre a questão da mulher. É uma escola de periferia, perto de algumas favelas daqui do Rio de Janeiro. A coordenadora pedagógica mostrou umas imagens muito bonitas, só que é assim, não tem uma mulher negra na imagem do cartaz que ela fez, não tem uma mulher com os fenótipos de uma nordestina, não tem uma mulher indígena... Então, que cartaz é esse? Essas coisas não são necessariamente uma forma de racismo, porque racismo seria essa ideologia da superioridade de uma raça e a valorização dessa raça em detrimento das outras. Não seria um racismo declarado. Mas a ideologia que está permeando a escolha do cartaz dela está fundada nisso. Não que a pessoa que fez o cartaz acredite nisso de pronto. Mas porque é o que está nas revistas que ela escolheu. Eu perguntei depois porque ela tinha feito aquilo, e ela disse: “eu não encontrei imagens de mulheres.” Na outra semana, passou um outro evento, ela fez outro cartaz, aí sim ela se preocupou com isso. Tem um estudo até de uma professora de São Paulo, da Elaine Cavalheiros, que é “Do silêncio do lar ao silêncio escolar.” Então o que acontece? A criança negra, ela é menos escolhida para apresentar trabalhinhos lá na frente, numa atividade escolar, do que uma criança branca. Na hora de andar de mão dada com a professora, a professora escolhe a criança branca. Mulheres que estão bem, que estudaram, mulheres que já têm uma reflexão dessa situação se voltam para o passado e identificam esse tipo de coisa. O fato de a professora, em conversas informais, tratar melhor um aluno com um fenótipo mais próximo do europeu e não tratar bem um aluno negro, um aluno que ela identifica como negro. Entendeu? O mais difícil é falar disso para o professor. Eu acho que é muito complicado você chegar, na sala de aula, e falar disso com um colega, você vê um colega ter uma atitude dessa e chegar para o colega e lhe falar que ele teve uma postura racista, que ele tem que mudar sua postura, porque isso influencia no rendimento dessa criança. Por que os índices de reprovação e de fracasso escolar são maiores nas crianças negras? Mesmo em crianças com a mesma classe social, você pega crianças negras de classe média que têm família estruturada, material didático bonitinho, tudo direitinho... Aí há estudos que comprovaram isso, que ainda assim, elas têm um rendimento abaixo da média das crianças brancas. O que que é isso? A única explicação é o cotidiano escolar, porque isso influencia. Uma outra coisa que eu acho que influencia também – claro que se for um professor consciente, reflexivo – seria a presença de mais professores negros na escola, o que hoje está aumentando. Porque a criança tem um exemplo. Isso é muito interessante. Também é claro que você tem que ser exemplo para os brancos, eu acho isso importante. Você vê os alunos negros se identificarem com você, verem você como uma pessoa bonita, que dá certo, isso é uma coisa importante. Por que o negro, ele se vê aonde? Na capa do Jornal O povo. Como é que ele se vê na capa do Jornal O povo? Como saem as reportagens sobre os negros no Brasil? Muitas vezes, na reportagem, o negro é mostrado como o excluído, nas rebeliões dos presídios, assaltos, etc. Ou como jogador de futebol, cantor de pagode. Por isso é que as ações afirmativas, eu acho que também vão mudar essa perspectiva, porque a criança vai ver um médico negro atendendo no posto de saúde, vai ver aumentar esse número, vai ver uma assistente social negra atendendo, uma fonoaudióloga, uma enfermeira, um diplomata.

Salto – Qual a importância da mídia nestes casos?

Maria Claudia - A mídia, eu acho que seria a principal frente, fora a educação, eu acho que uma das frentes mais importantes é a mídia. A gente vive numa sociedade que vive de imagem, a imagem é tudo no mundo moderno, nesse mundo pós-moderno até, e a mídia no Brasil ela tem funcionado como um grande entrave nessa mudança de perspectiva, para uma visão positiva, nesse imaginário da população negra no Brasil. Ainda hoje, nesse sentido, eu acho que isso prejudica tanto o negro quanto o branco. E a questão indígena também, você pega as reportagens sobre os indígenas, o que que você vê? São povos que ainda estão lá na floresta, vivendo de uma maneira muito rudimentar. É sempre colocado assim, você pega um Globo Repórter, mostra o índio vivendo da caça, da coleta e da pesca, coisas assim. E não é só isso. Está muito para além disso. Ou então, quando se coloca a população indígena ou os povos indígenas, os vemos encontrando a cultura da cidade, a cultura do branco e eles se promiscuindo, se corrompendo como nas últimas reportagens que passaram sobre a questão dos garimpeiros. Então, eu acho que essa mídia, ela seria uma das grandes frentes, mas eu acho que a mídia não está muito preocupada com isso. Eu acho que, em relação à população negra, que é uma coisa que eu me preocupo mais, a gente teria que produzir mídia. Eu acho que a TV Estatal, ela teria que investir mais nisso, em programas independentes, para que essa população pudesse se colocar. Nesse sentido, falar sobre cotas nos meios de comunicação é fundamental. Tem que ter a propaganda, tem que cobrar a presença do corpo negro ali, tem que ter a presença do indígena, a questão do oriental mesmo, você tem a população japonesa e chinesa no Brasil, são brasileiros também. Não são vistos. Eu tenho uma miopia de 6º grau e eu sempre troco de óculos. Quando eu vou comprar meus óculos, eu vejo sempre as propagandas das lojas de óculos. E como se os negros não comprassem óculos, os orientais não comprassem óculos, é um absurdo. Como você quer ver a estética daqueles óculos com uma cor mais diferente no seu corpo, como que fica a cor em você, você não pode fazer isso. Porque você não tem essa imagem. E isso é muito importante. E a gente pensa que não, mas tem um simbólico muito interessante. Tinha uma propaganda do Banco do Brasil há uns 2 anos, que era uma família de negros, acessando a internet. Então, era um casal de negros, mais duas crianças acessando a internet. Saiu nos jornais, os meus amigos comentavam: “Que propaganda linda, as pessoas estão bem naquela propaganda, estão bonitas...”. A gente pensa que não, mas são coisas simples, que as pessoas podem passar a se ver de uma maneira mais positiva. Só que eu acho que essa mídia que está aí não está interessada em fazer isso.

Salto - Por que você acredita que o conceito de Pluralidade Cultural ganha tanta importância em todo mundo hoje em dia?

Maria Claudia – Eu acho que é a questão do paradigma, mudou o paradigma. O paradigma do Ocidente como modelo que deu certo, do progresso. Esse era um paradigma. Eu acho que, a partir da 2ª Guerra Mundial, com toda a questão do nazismo, eu acho que foi uma coisa que marcou o mundo todo Não foi só o nazismo, foi o que ficou mais gritante. Mas tinha também a questão do Aphartheid na África do Sul, a questão do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos e as independências dos países africanos, que eram colônias dos países da Europa. Essas coisas todas aconteceram, basicamente, a partir da 2ª guerra Mundial. E a 2ª guerra Mundial foi uma grande lição para o mundo e para o Ocidente, principalmente. Primeira coisa, existia uma mentira que era essa hegemonização do mundo em cima de um padrão, que era a Europa. Por quê? Esse progresso, ele traz benefício, mas ele também traz vários malefícios. Um dos mais maléficos foram as bombas em Hiroshima e Nagasaki, a discriminação em massa dos judeus, que foi o mais gritante, mas o de outras populações também. Então, a partir desse momento, eu vejo e os estudos comprovam, é que a perspectiva do multiculturalismo e da pluralidade cultural, ela começa a tomar força. Porque se você repara, o que aconteceu era uma imposição da unidade pela força, era o Estado-nação com o aparato do exército, da força, ele fazia que os outros grupos se silenciassem. No máximo, o que acontecia é que você poderia se manifestar no campo dessas manifestações culturais que, no caso do Brasil, era o samba. O samba dos anos 20, dos anos 30, ele é considerado como algo marginal, de exclusão. Quando se quer trazer essa população, cooptar com esse Estado nacional, o que se faz? Tira isso do popular e traz como símbolo do Estado. E aí essa população se sente contemplada e, mais do isso, isso é absorvido pelo Estado-nação. As elites começam a praticar isso, que foi o que aconteceu. E o samba, se bobear, não é nem mais da cultura negra, é uma cultura nacional, é uma coisa que foi feita. Isso aconteceu até, eu acho, os anos 60, mais especificamente, o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. O movimento de mulheres, o movimento de mulheres tem uma grande questão para colocar: que mulher é diferente de homem. Isso não quer dizer que ela tenha que ser “desigual” ao homem, mas diferente ela é. Então, esses movimentos todos trouxeram esses temas para a discussão, para a academia, para a universidade. Esses outros lugares, que são lugares do diferente, mas não do desigual. Então hoje, eu entendo assim, que é impossível pensar o mundo sem essa questão do plural, porque se você pensa, você acaba criando um silenciamento que é pela força. Mas que, por baixo, está efervescendo todo um conjunto de questões que é próprio das culturas, que constroem conforme as suas realidades e suas maneiras de ver o mundo. Então, hoje, o Estado tem assumido isso como uma coisa que é dele, tem que contemplar a diversidade. Nesse sentido é que eu acho que as políticas para o pluralismo cultural devem, sim, ser realizadas.
http://www.redebrasil.tv.br/salto/

Entrevista com Sebastião Salgado sobre África

Segunda, 10 de março de 2008
08h02 Sebastião Salgado: "A África sempre foi um enigma"Fernando Eichenberg

Não é fácil encontrar o fotógrafo Sebastião Salgado em Paris, cidade, no entanto, em que oficialmente reside desde 1969, quando partiu do Brasil rumo ao exílio, acompanhado da mulher, Lélia Wanick Salgado, com quem está casado há 40 anos. Durante cerca de nove meses do ano, "Tião", como é conhecido na intimidade, está metido em alguma expedição em um inóspito canto do planeta. Recentemente, em uma escala na capital francesa, entre um desembarque da Colômbia e uma partida para o Japão, abriu uma brecha na sua agenda de fotógrafo globetrotter para conversarmos durante mais de uma hora, em um final de tarde, na sede da agência Amazonas Images, instalada em um amplo espaço no número 93 do quai de Valmy, face ao aprazível canal de Saint Martin.

Falamos sobre a África, tema de seu último livro (lançado pela ed. Taschen), mas também sobre os destinos do planeta, o Brasil, a política e seu trabalho como fotógrafo. Nosso encontro foi provocado para uma entrevista, publicada na Revista da Cultura (n° 6, janeiro/2008), mas como, por questões de espaço, parte de nossa conversa permaneceu inédita, disponibilizo aqui a íntegra para o leitor da Terra Magazine.

Terra Magazine - Ao longo dos anos, a África se tornou um destino privilegiado de suas numerosas expedições. Imagens registradas em 40 reportagens feitas durante 30 anos foram reunidas agora em um livro de 336 páginas e 221 imagens em preto-e-branco. Você se lembra das sensações, do que sentiu da primeira vez em que pisou na África, em 1971?
Sebastião Salgado - A África sempre foi um enigma para mim, sempre tive vontade de conhecer. Quando estive lá pela primeira vez, estava chegando em um lugar em que sempre sonhei ir. E cheguei em um momento muito interessante, em que as cidades não eram tão grandes e agressivas como o são hoje. Eram cidades muito agradáveis. Eu me lembro que ficamos no hotel Norfolk, em Nairóbi (Quênia). Um hotel no meio no campo, tinha um parquezinho, bicho em volta. Hoje, o hotel está no meio da cidade. É o mesmo hotel, a cidade cresceu em volta dele, ficou algo monstruoso. Era tudo tão tranqüilo. Eu me lembro que chegamos em Nairóbi numa sexta-feira e na segunda-feira voamos para Kampala (Uganda), sobrevoando o lago Vitória. Chegamos a Ruanda, em Kigali, uma cidade pequenina em que se fazia tudo a pé - hoje é imensa.

Ficamos umas três semanas por lá circulando de carro, um Volkswagenzinho, e naquela época não havia um palmo de estrada asfaltada. Para mim foi algo fabuloso descobrir a beleza da África, que ficou para mim como uma espécie de marca do continente. Até hoje é a minha referência, são as cores, a temperatura, quando estou voando para lá sinto exatamente a mesma coisa que senti da primeira vez. É o único continente desse planeta onde todos os vôos que saem da Europa chegam sempre de manhã. Quando o dia começa a nascer você está dentro de um céu vermelho, é o único lugar que tem um céu daquela cor, você já sabe a tonalidade de onde vai chegar. E aí nunca mais parei de chegar na África. Devo conhecer pelo menos uns 30 países do continente. Tive uma bela amostragem de todas as partes. Mas houve um momento em que jurei nunca mais colocar os pés na África.

Quando foi isso?
Foi nos anos 1974-75, de violência extrema em Angola, a guerra, e com as barbáries que vi por lá disse: "Chega, não volto mais!". E acabei voltando e voltando e voltando. Cheguei da África agora em outubro, estou indo novamente em janeiro, volto de novo depois. A África para mim é um lugar maravilhoso, de contradições brutais, de violências terríveis. Mas não é uma violência característica da África, mas sim da espécie humana. É a mesma do Brasil, nas favelas do Rio, de gente assassinada nas cidades brasileiras. Tem também o que aconteceu aqui na Bósnia, no Kosovo. Também a barbárie total que aconteceu aqui na Europa, há 60 anos. É uma característica da nossa espécie.

Hoje está muito na moda falar da África porque é o exemplo mais recente e perto, que acontece sempre. Ao mesmo tempo é um continente maravilhoso, com paisagens sublimes, onde encontramos o ser humano que fomos há 5 mil anos. Em determinados lugares ainda existimos dessa forma na África. Acabei de fazer agora o vale do rio Omo, no sul da Etiópia. É algo fabuloso você poder conviver com tribos que ainda vivem no essencial na vida, onde o importante é você ter, na maneira mais fina e total, o seu instinto de sobrevivência. Você passa a ser um bicho-homem ligado ao seu planeta. Nu, com uma arma na mão, protegendo o seu gado, seu microcosmo, sua família e mais algumas casas em volta. E convivendo na própria Etiópia com uma África mais que milenar, porque a cultura etíope é antiqüíssima. É o país que mais entendemos porque é o único realmente cristão da África. Eles têm um cristianismo quase tão velho como o nosso, as coisas se parecem, o raciocínio se parece, e você entende um pouco melhor. E você convive com essas coisas todas dentro de um mesmo país.

A África é um algo fantástico, com desertos e montanhas incríveis, pontos altíssimos com amostragens das primeiras vegetações do planeta. Em determinados vulcões que tive a oportunidade de conhecer, no limite de Ruanda, Uganda e Congo, de até 4,5 mil metros de altura, você encontra vegetações fabulosas, com vistas fantásticas. Trabalhei em lugares como a Antártida e a Sibéria, mas onde senti mais frio na minha vida foi na África, na altura desses vulcões. Trabalhei todos esses anos na África, fiz todas essas viagens, pude participar da história recente dos últimos 40 anos do continente. Estive presente como repórter fotográfico, podendo viajar na crista da onda da história africana e testemunhar a formação de países, a imigração, o trabalho, os animais, as paisagens, as grandes secas, o castigo e a prenda da natureza, o efeito da globalização, tudo isso tive a oportunidade de ver e são imagens que estão nesse livro, que para mim não trata só da história da África. Acho que está muito correto o que o Mia Couto escreve no prefácio: você passa a ser não mais só o fotógrafo, mas a sofrer o efeito de tudo do que a África te impregnou. Foi algo muito rico para mim.

O escritor moçambicano Mia Couto escreve no livro que você visitou a África em tempos de cristal e em tempos de lágrima, testemunhou alguns dos mais dramáticos momentos, a consumação do trágico mas também o eclodir da esperança, e fala também do afro-pessimismo, sentimento presente no continente. Você vê saída para a África?
Há saída, sim. Moçambique é um exemplo de um país que tem saída. Foi o único caso de uma negociação de paz levada a cabo pela ONU que funcionou. O fluxo de investimento, de entradas líquidas no país é muito forte, a modificação estrutural do país, as adaptações... Botsuana e Namíbia também estão indo bem. Mesmo a África do Sul. A violência de lá é também a nossa e a da Colômbia. É a violência de países que se urbanizaram, que adquiriram em três ou quatro décadas uma estrutura parecida com as que consideramos modernas nos países daqui. O Brasil passou de 80% de população rural há 40 anos para 85% de população urbana, o que Europa levou 600 ou 800 anos para fazer.

Mas essas coisas acho que tendem a se estabilizar. É claro que não podemos deixar abandonado o continente africano. Hoje se vai na África como um boi vai na vaca, para fuder a África. Isso vai ter de acabar. Você não pode deixar uma grande parte da espécie humana abandonada a si mesma. Nos últimos séculos, o que tinha de melhor na África foi para o Brasil, para a América Central e do Norte. Pegamos os escravos, quem era mais forte, quem tinha capacidade de trabalho. Quem vem para a Europa hoje? São os que têm maior capacidade de iniciativa, que não conseguem fazer nada em seu próprio país, pois não há fluxo de investimento, só matéria-prima. Isso vai ter de parar. Foi o caso do Brasil. Há 30 anos éramos meros fornecedores de matéria-prima e hoje temos empresas como a Vale do Rio Doce, a 16° maior do mundo, que comprou a maior empresa do Canadá. Foi apresentada na Bolsa de Paris e abriram o pregão da Bolsa de Nova York a partir de Paris. Uma empresa brasileira assim, um país exportador de aviões, eu não poderia imaginar isso nos anos 1950.

Nos anos 1960, quando vivi no interior, todos os caminhões que destruíram nossa Mata Atlântica vinham dos Estados Unidos. Quando iríamos imaginar que seríamos esses grandes exportadores de hoje? Então essas coisas aconteceram, estão acontecendo e certamente terão de acontecer na África. Os tempos vão mudando, as combinações geopolíticas passam a ser outras, como é o caso hoje da Índia, China, Rússia e Brasil. Estamos vendo a desmoralização de uma referência do planeta em termos monetários, que era o dólar. Quem diria? As coisas são imprevisíveis. Eu acho que temos todo o direito de ser otimistas nesse caso. Não que a violência vá acabar do dia para a noite, acho que não, ainda há muito sofrimento pela frente na África, mas acho que é o momento de as coisas começarem a mudar, e estão mudando. Só o interesse do Brasil pela África hoje é brutal, muito grande. Está-se indo na boa direção.

Da África para o planeta. O seu projeto Gênesis é uma forma de repensar o "de onde viemos, para onde vamos". Você defende o desenvolvimento sustentável como uma forma de salvação. Você acredita na supremacia do atual discurso ecológico sobre o mundo consumista, imediatista e individualista?
Acho que as coisas mudaram muito. O discurso no planeta mudou radicalmente nos últimos dez anos. A ponto de um ex-candidato a presidente nos EUA ter sido prêmio Nobel a partir de um discurso inteiramente ecológico. As pessoas hoje com possibilidade de se tornar presidente dos EUA são as que têm uma preocupação com esse grito de alarme do aquecimento global, que é real. Hoje, chega-se à conclusão de que todo o gelo do Ártico, que deveria terminar nos próximos 60, 70 anos, vai acabar no máximo em 10, 12 anos. O clima do planeta, principalmente do norte, vai mudar muito mais rápido do que se imaginava. É um momento muito interessante, porque o perigo está aí e as coisas vão ter de mudar.

Não há uma empresa nesta parte do planeta que não tenha como referência o discurso ecológico, seus produtos tem de ser ecológicos, limpos. Nesse ponto, estamos muito atrasados no Brasil. O discurso da agricultura que tem hoje o governo, com o qual eu tenho uma certa proximidade, é um discurso do passado, velho. O discurso da megaempresa agrícola, do equilíbrio da balança de pagamentos, de grande exportador de matéria-prima... Quando se calcula a porcentagem que essa matéria-prima exportada - café, soja, laranja - entra na composição do PIB brasileiro, é algo muito pequeno, não é nada. Mas se mantém esse discurso antigo, enquanto o discurso moderno hoje da agricultura é o do desenvolvimento sustentável, da recuperação ambiental.

Nós estamos com uma defasagem muito grande. Estamos fazendo no Brasil uma agricultura velha, do passado, e temos de mudar. Mas de uma maneira geral essa preocupação hoje no planeta é muito grande. Acho que podemos reduzir essa aceleração do efeito do aquecimento plantando árvores. E temos um espaço incrível para fazer isso no Brasil, para reequilibrar o fornecimento de água. Mas, ao lado desse discurso velho do governo brasileiro, existe uma preocupação nova também no país. Há ONGs muito sérias e fortes, há um grande grupo de intelectuais brasileiros, uma grande parte da população urbana que está preocupada com isso, sim.

Você sempre denunciou a "ditadura financeira" como um dos piores males de nosso tempo. Ainda é?
Vejo mais do que nunca o perigo disso. Mas muitas coisas trazem nelas mesmas a solução. Hoje, a denúncia dessa grande ditadura financeira, a transparência de uma série de setores da economia, que antes não existia, começa a aparecer. Essas coisas terão de ser resolvidas, apesar de continuarmos acumulando de uma maneira incrível. Veja a quantidade de dinheiro acumulado por esses fundos de pensão, a concentração dos bancos. Mas eles também têm uma certa vulnerabilidade. O fato de os americanos não terem hoje condições de pagar as prestações de suas casas por causa dos juros altíssimos que os bancos impuseram provocou uma crise muito forte no sistema financeiro.

Assim como falamos da África, que tem um sistema de autocorreção, tenho a impressão de que haverá um sistema de autocorreção na distribuição de renda no mundo, e relativamente rápido. Há pouquíssimos anos toda a renda do planeta era concentrada na América do Norte, em algumas praças financeiras da Ásia, como Japão e Hong Kong, e na Europa. Hoje, está começando a haver uma redistribuição muito rápida disso, apesar de a renda ainda ficar muito concentrada na parte alta de todas as sociedades. Mas há uma reorganização desse fluxo financeiro, com a participação de outras praças, como São Paulo, Xangai, Nova Délhi, Bombaim, Moscou. Nenhuma dessas praças era importante há dez anos.

Veja a América Latina, a história do Mercosul. O Brasil tem hoje uma população de cerca de 185 milhões de habitantes. Somados à população da Argentina, mais a Venezuela e, se entrar também a Colômbia, você cria um bloco de consumidores tão forte quanto o bloco europeu. E com uma vantagem: o bloco europeu já chegou a um nível de saturação de consumo, e no Mercosul ainda há tudo por fazer. A distribuição de renda a nível de classes sociais, que foram discriminadas nos outros continentes, vai ter de acontecer agora. Mesmo porque o único escape para esse modelo do consumo são esses outros locais. Já vemos pontos de estrangulamento, como, no caso do Brasil, da estrutura do transporte aéreo.

O problema da segurança e da violência nas cidades já é um estrangulamento de muito tempo. O problema da educação é um gargalo. Não há pesquisa nenhuma, industrial ou agrícola, pegamos carona nas pesquisas dos outros. E uma economia como a do Brasil que está chegando à sofisticação vai ter de resolver esse punhado de problemas que vai provocando a modificação da estrutura de produção. Isso é uma proposta velha, marxista, onde você muda a infra-estrutura, a superestrutura necessariamente muda também. Isso tudo está acontecendo, não sei se para melhor ou para pior, mas está. Pegue um país hoje como a França, por exemplo. É um país completamente estagnado, sem possibilidades de, nos próximos dez anos, sair desse marasmo em que entrou. Estou chegando da Colômbia agora, um país que tem uma capacidade de desenvolvimento ilimitada. Essas coisas vão se combinando de outra forma. Quando você viaja muito, vê muito disso tudo.

Politicamente você sempre se posicionou como um homem de esquerda. Como você a esquerda hoje no mundo face ao desafio de apresentar alternativas nesses tempos de neoliberalismo e globalização?
A esquerda, para enfrentar essa nova realidade, tem de se desfazer e se fazer outra vez. Não há outro jeito. Pensar de uma maneira considerada de esquerda era o quê? Era pensar em distribuição de renda, em uma forma social mais justa. Na realidade, era pensar de uma forma politicamente correta. Hoje as coisas mudaram. Muitas variáveis que não eram importantes passaram a ser. De uma delas acabamos de falar, a ecologia. Hoje, para se ter um pensamento de esquerda, tem de entrar a variável ecológica, bem como o desenvolvimento sustentável, a redistribuição de renda, a pesquisa. A estrutura de esquerda tem de ser refeita.

Nunca a esquerda foi tão forte como é hoje. Mas quem tem um comportamento de esquerda? O Al Gore tem. O presidente Sarkozy, um homem da direita francesa, foi quem criou o Ministério do Meio Ambiente como um dos grandes ministérios do governo, o que até então não era. O Partido Socialista francês morreu por não entender o que estava acontecendo. Na proposta de uma Constituição Européia, a base do partido votou contra, e tinha de votar contra. Da maneira como estava proposto, você poderia empregar trabalhadores poloneses na França, trabalhando na França, a preço de salário polonês, e isso não se podia aceitar. Os indicadores da Constituição eram quase todos financeiros. A base não aceitou isso, a direção do partido votou a favor, e os poucos que votaram contra foram depois colocados de lado.

Nesse momento o Partido Socialista morreu. A direção do partido estava inteiramente em dissonância com a sua base. E quem funciona é a base. O partido terá de se refazer. Acho que as coisas estão se refazendo, se reorganizando, as variáveis já não são mais as mesmas. A esquerda no Brasil, por exemplo, tem propostas que são antigas, velhíssimas, que já amadureceram, secaram, morreram, mas que ainda são utilizadas como instrumento de governo, e acho que isso tem de mudar. Elas têm de ser adaptadas e feitas de outra forma. Mas o pensamento de esquerda nunca foi tão forte e tão vital como agora.

Que propostas antigas ainda são utilizadas como instrumento de governo?
São tantas. Por exemplo, a idéia de que o importante é o proletariado, que o importante é você criar emprego no setor industrial, nos setor de exportação agrícola, que é a idéia de base no Brasil. A forma de criar energia no Brasil... Essas coisas já passaram. O Brasil necessita de energia demais, mas essas formas já não são mais a boas, há outras maneiras de se fazer. Também as estruturas tradicionais e pesadas dos partidos, não se pode mais funcionar assim. Há uma série de coisas que acho que têm de ser mudadas e adaptadas.

Como vê os governos de Evo Morales, na Bolívia, e de Hugo Chávez, na Venezuela, definidos por muitos como "populismo demagógico"?
São realmente coisas do passado no presente. Em 2006, passei dois meses na Venezuela e vi a forma como a coisa está sendo feita e imposta. Vai ser muito duro para o país. Mas a Venezuela vem de um passado terrível, com uma classe no poder que dominou e roubou tudo. Se tivesse sido de uma outra forma, hoje a Venezuela poderia ser um dos grandes países do planeta. Mas roubaram tudo. Então existe uma amargura muito forte na classe que foi roubada durante todo esse tempo e que levou ao poder alguém que se transformou em um ditador, se armando até os dentes. Para quê? Os Estados Unidos vão atacar a Venezuela? Jamais. Passa a ser um poder concentrado na mão de alguém, e não sabemos como esse alguém vai usá-lo. Não é uma forma democrática e aberta de poder. Não vai dar certo. É uma questão de tempo.

Para tomar um caminho interessante, a Venezuela terá de passar por um processo de auto-regeneração muito forte e de sofrimento muito grande também. Tenho medo do Chávez, para o povo venezuelano. Historicamente, você não tem medo, pois sabe que as coisas vão passar. Mas quando você vai lá, conhece as pessoas, vê do jeito que está... vai ser duro.

E o governo Lula?
Eu confio no Lula, acho uma pessoa interessante, o conheço, acho que tem um carisma e que pode fazer as coisas. Não se pode comparar o Lula ao Chávez, pois o Brasil é um sistema democrático. Está em um processo de ajuste e de correção fabuloso do aparelho de Estado, das instituições brasileiras. O Brasil tem instituições fortes. No seu posicionamento internacional, conta com uma chave que poucos países têm, que é um Ministério das Relações Exteriores, baseado no Itamaraty, de uma qualidade e com um quadro de técnicos fantástico. O Brasil tem um exército que se modernizou e se profissionalizou. Conheci vários oficiais e unidades do exército brasileiro representados fora do país, no mundo, e a maneira como se comportam não tem mais a ver com aquele exército velho, de há 40 anos, de que tínhamos medo. Isso mudou. O Brasil tem um sistema federal de coleta de impostos muito justo. Há um sistema de pesquisa em determinados setores muito interessante.

Na agricultura há um sistema que deveria ser mais apoiado, que é a Embrapa. A Petrobrás desenvolveu tecnologia de offshore única no planeta e passou a ser uma das maiores empresas mundiais. Gosto muito da idéia do governo Lula de redistribuição de renda. Não sei se o Bolsa Família é o melhor, mas houve uma revolução. As pessoas no Brasil às vezes não vêem, não têm interesse em ver, representam uma classe concentradora de renda que está morrendo, mas houve uma redistribuição a tal ponto que se o Lula tivesse o direito de se recandidatar - e felizmente que não tem, pois, chega, oito anos de poder é o suficiente em uma democracia como a nossa -, poderia se reeleger. Mas uma indicação do Lula reelege um novo presidente, porque ele criou emprego e promoveu uma redistribuição. Eu sei porque a gente atua no interior no Brasil, e na nossa cidadezinha aumentou a demanda em função de uma mínima redistribuição de renda que houve. E quando você considera o que é o salário mínimo hoje no Brasil... Houve uma revolução nesse sentido e tem de ser reconhecida.

Você deixou o Brasil na época da ditadura, teve confiscado o passaporte brasileiro, e acabou se adaptando muito bem na França. Você se sente brasileiro, um pouco francês, cidadão do mundo?
Meu passaporte foi retido por volta de 1975, e depois entrei com um processo, junto com o Augusto Boal, para recuperá-lo, o que aconteceu em 1979-80, não lembro. Eu tenho documentos franceses, mas me sinto brasileiro. Estou adaptado aqui e tenho filhos nascidos na França, mas sou brasileiro, o que para mim é um prazer e uma honra. Nessas viagens todas pelo mundo me coloco a partir de uma ótica muito mais brasileira do que francesa. E com o privilégio de ter viajado em mais de 120 países, de ter visto esse planeta de dentro, com tempo. Na realidade, devo morar na França somente uns três meses por ano, no resto do tempo moro no mundo. Mas vou muito ao Brasil. Sou um brasileiro com uma formação internacional.

Como fotógrafo, você já disse que sua maneira de enxergar, sua relação com a luz, é brasileira, e sua formação é francesa.
É interessante, porque, pelo lado técnico da fotografia sou formado aqui, mas para os fotógrafos franceses sou considerado como um fotógrafo brasileiro, porque minha maneira de ver não é a daqui. É meio especial. Tudo o que aprendi em fotografia foi aqui, mas isso é uma variável até o momento em que passa ser uma constante, pois o que você aprendeu está aprendido, e o importante na fotografia é o que você tem e traz dentro de você. É a sua visão de mundo, que no meu caso é muito brasileira.

Na pintura, você admira artistas como os irmãos Le Nain, Rembrandt, Géricault.
Fiz estudo da luz dessa gente. Antes de eu ser fotógrafo, era um tipo de luz que me interessava e me tocava muito. Uma pessoa que faz cinema é obrigada a iluminar para filmar, coloca luz artificial e tudo o mais. E o fotógrafo traz a luz dentro dele mesmo. É a luz de onde ele aprendeu, onde cresceu, que passou a fazer parte dele mesmo. E essa luz para mim acho que é muito brasileira, muito a nossa maneira de ver.

Você começou a fotografar paisagens recentemente e diz que evoluiu muito em relação à natureza. Como foi isso?
Essa reaproximação com a natureza foi no Vale do Rio Doce, onde nasci. É tão importante você não cortar com as suas fontes, com a sua raiz. Eu rodei, fiquei anos fora do Brasil, e no dia em que fui fixar uma âncora foi lá onde nasci, de onde saí mesmo. E voltei para aquela luz, para aquele lugar. E isso levou a uma transformação da minha fotografia. Foi aquela experiência, com aquela terra. Claro que tudo é explicável, mas há coisas que você não compreende e nem sabe por que é levado de volta. Uma vez, estava com uma equipe de televisão lá em Aimorés e fui levá-los para uma cidadezinha ao lado, para pegarem um ônibus direto para Vitória. Fui passando por uma estradinha, entrando adentro, e um deles me disse: "Salgado, você morou tanto tempo na França, mas na realidade você nunca saiu daqui" (risos). Acho mesmo que nunca saí de lá. Quando subo aqui no avião para ir ao Brasil, já entro rindo. No avião já me transformo e chego como se nunca tivesse saído de lá.

O seu projeto Gênesis busca regiões virgens nos 46% do planeta que você diz que ainda estão intactos. Como são essas viagens?
Quando você está em uma tribo daquelas lá no interior do Brasil, no fundo do Amazonas, vê que ela não tem nada para aprender aqui com essa sociedade. O que é essencial, já sabíamos há 5 mil anos. Já tínhamos antibióticos há 5 mil anos. Eles têm antibióticos lá. Nós apenas sistematizamos e transformamos em outros componentes químicos para aumentar as doses, a quantidade, mas a base já havia. Antiinflamatório já havia. Os ianomâmis lá do interior de Roraima têm uma noção de geologia perfeita. Eles são seminômades, só vão voltar para um local em que haviam se fixado 100 anos depois, quando a floresta já estiver refeita e reconstituída. Não há grandes novidades acontecendo na espécie humana. Os problemas que temos de amar, de sofrer, de ciúme, de tudo, são os mesmos. O que é interessante na preservação dessas partes do mundo é a preservação da nossa referência. Isso é muito importante.

É quase impossível você fazer uma projeção futura sem olhar para trás. É importante preservar a natureza, os grandes sistemas de água. O planeta não está em perigo, ele é velho de 6 bilhões de anos, e daqui a 6 bilhões de anos ainda vai estar aqui. Quem está em perigo somos nós, nossa espécie. A questão é sermos sábios o suficiente para preservar o que temos, refazer o que desfizemos, para podermos continuar a existir como espécie. Só isso. A idéia desse projeto Gênesis é a de buscar essas áreas, de ajudar a fazer uma nova apresentação do planeta. Minhas fotografias não têm importância. Mas as minhas fotografias, mais o seu artigo, mais as informações da televisão, as organizações que estão militando, as instituições de boa vontade, passam a ser um elemento dentro disso tudo. Nos distanciamos demais do planeta.

Há o fato de termos urbanizado, de nos considerarmos o único animal racional - que é uma mentira, cada espécie tem seu racionalismo. Hoje, se discute a distribuição de renda, a destruição da floresta tropical, a poluição do oceano, a aids, tudo o que se quiser, e não encontramos soluções. Está cada vez mais complicado. Estamos meio perdidos. Nossa espécie está desencontrada. Para mim, o fator principal é que perdemos o contato com o planeta e a idéia de que somos natureza. Acreditamos que somos um ser diferente, privilegiado, com direito a consumir, destruir. Não temos esse direito. Tudo o que é destruído é um déficit. E esse déficit, outro vai pagar por você.

Como você se imagina daqui a dez anos?
Fotógrafos vão longe. É uma profissão em que você vive pra fora, tem válvula de escape o tempo todo. Estive no México há poucos anos, foi o aniversário de 100 anos do Álvarez Bravo. O Henri Cartier-Bresson morreu com 96 anos. Lembro quando trabalhava na agência Magnum, a Eve Arnold, que tinha mais de 85 anos na época, pegava a máquina, entrava no avião e ia para a Índia fotografar. Não me vejo a muito curto prazo terminar minha carreira. Fazer projetos de oito anos como o do Gênesis já é mais complicado, mesmo porque está difícil organizar projetos assim mais longos. Possivelmente este seja meu último longo projeto. A partir daí, vou viver como todo o mundo, o dia-a-dia.

Você já se disse admirador de Guimarães Rosa e de Jorge Amado. O que está lendo agora?
Acabei de ler A fazenda Africana, da escritora dinamarquesa Karen Blixen. É fantástico ler um livro sobre a África escrito nos anos 1930. E reli agora O nome da rosa, do Umberto Eco. Estou sempre lendo. Meu grande companheiro de viagem é o livro, sempre consigo uma horinha para ler.

Questionado se, até ali, a vida havia sido boa com ele, o filósofo Jean-Paul Sartre respondeu: "No todo, sim. Não tenho do que me queixar. Ela me deu o que eu queria e, ao mesmo tempo, me fez reconhecer que não era grande coisa. Mas o que se pode fazer?" E encerrou a resposta com uma grande gargalhada. Até aqui a vida foi boa com você?
Não posso me queixar. A vida foi muito boa para mim. Sou uma das poucas pessoas que teve a oportunidade de ver o planeta a fundo, de conhecer profundamente diferentes culturas no mundo inteiro. E agora, com o projeto Gênesis, tenho a oportunidade de conhecer as coisas mais nobres, mais fantásticas desse planeta, e de mais difícil acesso - porque nas de fácil acesso todo o mundo já foi e destruiu. É uma surpresa a cada curva da vida. Não dá para você ser blasé, porque é um prazer tão grande a cada nova descoberta. Como fotógrafo assim, houve possivelmente uma profissão na Idade Média, que depois desapareceu, que foi a dos andarilhos, pessoas que iam de um lugar a outro, aprendiam, transmitiam, iam passando adiante. Realmente, tenho uma profissão interessante. Fui um privilegiado na vida.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2664968-EI6782,00-Sebastiao+Salgado+A+Africa+sempre+foi+um+enigma.html
Estatuto da Igualdade Racial

Lei entrou em vigor nesta semana e é encarada de forma positiva por ativistas

O Estatuto da Igualdade Racial entrou em vigor esta quarta-feira (20), em todo país. Após tramitar por sete anos no Congresso Nacional, a lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, define uma nova ordem de direitos para os cidadãos negros brasileiros, alcançando mais de 90 milhões de pessoas em todo país. Só em Piracicaba, a estimativa é de que 30% a 40% do total da população seja composta por afrodescendentes, algo em torno de 113 a 150 mil pessoas.

"Esses números são estimados. A precisão maior será dada a partir dos resultados do Censo 2010", observa Jurandir Silvestre, presidente do Centro de Documentação e Cultura Negra de Piracicaba. Silvestre vê com bons olhos o estatuto, que passa a ser mais um instrumento em busca da igualdade racial. "É comum dizer-se que todos lutaram nas mesmas condições, mas não é fato. O afrodescendente não teve a mesma igualdade dos outros", observa.

O Estatuto da Igualdade Racial estabelece que discriminação é toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica. Essas ações têm como objetivo restringir o reconhecimento de direitos humanos e liberdades fundamentais em campos político, econômico, social e cultural aos afrodescendentes. "Trata-se de um novo mecanismo em busca de firmar a identidade do negro", diz o ativista Dejair dos Santos.

O estatuto estabelece ações afirmativas (elaborados pelo Estado ou iniciativa privada) para a correção das desigualdades, com a promoção de oportunidades para reparar desigualdades presentes durante o processo de formação social do país. A medida busca eliminar a discriminação em todos os setores, como na educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, entre outros.

O texto institui, por exemplo, pena de até cinco anos para quem impedir, por preconceito, a promoção funcional de negros. O estatuto também passa a garantir a participação dos afrodescendentes em instâncias de deliberação vinculadas ao Poder Público. O artigo que previa a implantação de cotas em universidades públicas foi retirado do projeto pelo Senado. Silvestre e Santos são unânimes ao afirmar o papel que a educação tem nesse processo. "É o principal desafio", observa Silvestre. “Só assim a igualdade de direitos se dará de forma efetiva”, assinala Santos. (Felipe Rodrigues)

Fonte Gazeta de Piracicaba


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A questão da presença negra na América Latina sempre me despertou interesse, acreditava que outros países da América Latina não tinham negros( não como no Brasil), mas no texto do correio brasiliense; http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/10/18/mundo,i=218540/ONU+BUSCA+COMBATER+O+RACISMO+E+RESGATAR+IMPORTANCIA+DOS+AFRODESCENDENTES.shtml, podemos entender um pouco sobre esta presença africana nas Américas. Sempre vejo a representação indígena e a europeia, em maior ou menor quantidade a depender do país americano .Vale a pena ler e entender um pouco mais sobre o assunto!




Andrea Guanais

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ações afirmativas

POLÍTICAS DE AÇÕES DO GOVERNO IMPLEMENTADAS PELO GOVERNO FEDERAL
SAÚDE
Programa AfroAtitude: programa integrado de Ações Afirmativas para Negros do Ministério da Saúde com universidades que possuem programas de Ações Afirmativas para negros e que adotam o regime de cotas para acesso dessa população.
EDUCAÇÃO
Programa Pró-Uni: reserva bolsas aos cidadãos portadores de deficiência e aos autodeclarados negros, pardos ou índios.
Programa Uniafro: programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas instituições públicas de educação superior o qual contribui para a implementação de políticas de ação afirmativa voltadas para a população negra.
Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia: programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco (Ministério das Relações Exteriores/ Itamaraty) onde oferta bolsas para candidatos afrodescendentes se prepararem para os exames de seleção à carreira diplomática.
www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm
TRABALHO E RENDA
Projeto Terra Negra Brasil: Desenvolvido especialmente para promover o acesso à terra a jovens de comunidades negras rurais.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

SERRA DA BARRIGA - UNIÃO DOS PALMARES/ALAGOAS/BRASIL

A área
A Serra da Barriga está situada no município de União dos Palmares, distante 100 kms de Maceió. É um sítio histórico onde se localizava o Quilombo dos Palmares. Na década de 80, foi reconhecida pelo governo federal como monumento histórico e em 21 de março de 1988 passa a ser considerada como monumento nacional pelo Decreto nº 95.855.
A Fundação Cultural Palmares recebeu, por termo de entrega concedido pela Secretaria do Patrimônio da União Federal, em 7 de abril de 1998, certidão a qual passa para a sua
responsabilidade, a manutenção e preservação do sítio histórico da Serra da Barriga.
Localização Geográfica

A Serra da Barriga faz parte do Planalto Meridional da Borborema, unidade geomorfológica que compreende terrenos cristalinos submetidos à ação de clima quente e úmido. A área ocupada pela Serra da Barriga e suas ramificações para nordeste, tomando como ponto de partida o vale de um afluente do riacho Açucena até o vale do Mandaú, atinge 8,6 km de comprimento e a sua largura máxima do vale do riacho Pichilinga, ao norte, até o vale do riacho Açucena, ao sul, é de 3,35 km o que lhe dá uma área aproximada de 27,97 km quadrados.
A posição geográfica da área proposta para tombamento é determinada pelos paralelos 09º 09?43? e 09º 11? 31? da latitude sul e pelos meridianos 36º 03? 56? e 36º 06? 26? de longitude oeste, a uma distância de 68 km a noroeste de Maceió, capital do estado de Alagoas. A localização geográfica da Serra pode ser dada pela interseção do paralelo 09º 10? 00? S com o meridiano 36º 05? 00? W que fica 165 km de distância de um dos pontos de maior altitude do bloco principal ( 485 m).

História
A República dos Palmares, como chegou a ser conhecida, iniciou sua formação em 1597 e durou até 1695, situada numa vasta área da Capitania de Pernambuco, principalmente na comarca de Alagoas, em uma região serrana que atingia até 500 metros de altitude, coberta por florestas e de acesso muito difícil. Na época, chegou-se a atingir no quilombo dos Palmares, uma população com cerca de 20 mil pessoas.
Hoje, a Serra da Barriga é uma área que recebe turistas, que buscam conhecer um pouco mais da história do Quilombo dos Palmares. No local, foram construídos um posto de observação e dois mirantes, que estão sendo reformados, de onde se pode admirar toda a beleza do local. Na serra, também são realizadas comemorações, principalmente no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, para relembrar a luta de Zumbi dos Palmares.

Desde sua criação, a preservação do sítio inclui-se entre as atribuições institucionais da Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Outras ações são realizadas pela FCP/MinC, como projeto de Melhoria e paisagismo do sítio, reposição florística, reforma do observatório e viveiro, manutenção de trilhas.
A Serra da Barriga é um dos mais significativos exemplos de resgate da história dos afro-brasileiros com papel fundamental na reconstrução da trajetória da luta de libertação dos escravos.
Mãe Menininha do Gantois, história de amor pelos orixás e pela Bahia

Brasília, 2/7/07 - Jorge Amado não viajava sem ouvir suas recomendações. Dorival Caymmi não dava um passo sem consultá-la primeiro. Antônio Carlos Magalhães seguia seus conselhos a ferro e fogo. E Vinicius de Moraes corria a escutá-la quando estava na Bahia. Ninguém sabe ao certo quem foi a primeira personalidade a frequentar o Terreiro do Gantois, em Salvador, mas o fato é que os braços acolhedores de Mãe Menininha nunca estavam parados. Fosse recebendo seus numerosos filhos-de-santo - o telefone tocava pelo menos 20 vezes por dia, com ligações de todo o País -, fosse preparando os saborosos aracajé, caruru ou o vatapá como só ela sabia fazer, nenhum traço de exaustão perturbava a rotina da guia espiritual mais paparicada da Bahia.

Neta de escravos, Maria Escolástica da Conceição Nazaré (nascida a 10 de fevereiro de 1894 na capital baiana) foi escolhida na infância pelos santos do candomblé como mãe-de-santo do terreiro fundado pela avó. Ainda criança, sem conhecimento suficiente para assumir o posto mais alto na hierarquia da religião - o de ialorixá, que dita as regras e comanda todo o funcionamento da casa - foi iniciada nos rituais pela tia Pulquéria, sua antecessora. Era então uma moça quieta e franzina, e não escapou do apelido que a acompanhou pelo resto da vida. Aos 28 anos, assumiu definitivamente o terreiro. "Quando os orixás me escolheram eu não recusei, mas balancei muito para aceitar", contou certa vez. Na época, o candomblé vivia uma fase de perseguição a paus e pedras. Relegados ao submundo religioso, os rituais terminavam subitamente com a chegada da polícia.

"Vem olhar, doutor"

A partir da década de 30, a restrição arrefeceu, mas uma Lei de Jogos e Costumes exigia que o candomblé só fosse celebrado em horários específicos, com a autorização de uma delegacia específica. Quando passava das dez da noite, lá vinham os policiais. "Isso é uma tradição ancestral, doutor", dizia a ialorixá ao delegado, com sua paz interior que pouco a pouco se apoderava dos outros. "Venha dar uma olhadinha o senhor também." E o jeito melindroso de Mãe Menininha não só evitou o fechamento do terreiro, como venceu a resistência religiosa do chefe da Delegacia de Jogos e Costumes, que escutou o chamado dos santos e se tornou um praticante da religião depois da extinção da lei, em meados dos anos 70 - a própria Mãe Menininha foi uma das principais articuladoras para o término das proibições.

Como outras crenças, no início do século a religião afro-brasileira também era carregada de conservadorismo. Passar em frente de uma mãe-de-santo sem baixar a cabeça era grave ofensa para os seguidores da casa. "Como um bispo progressista na Igreja Católica, Menininha modernizou o candomblé sem permitir que ele se transformasse num espetáculo para turistas", analisa o professor Cid Teixeira, da Universidade Federal da Bahia. Informal e bonachona, não hesitava em abrir as portas do Gantois para brancos e católicos - uma abertura que, em muitos terreiros, ainda hoje é vista com certo estranhamento.

Programa evangélico

Ecumênica, Mãe Menininha nunca deixou de assistir à missa, numa prova de que o sincretismo religioso da Bahia não é mero chavão. Podia comungar pela manhã e celebrar os rituais do candomblé à noite. No meio tempo, cuidava das duas filhas - Cleusa e Carmen - e coordenava todas as atividades do terreiro. Não eram poucas, já que dentro do próprio Gantois criavam-se galinhas e cultivava-se milho. Sem cobrar um tostão, passava o dia atendendo seus seguidores. Para dar uma trégua aos santos, entregava-se de corpo e alma a pequenos prazeres. Cuidava com esmero da vasta coleção de objetos de louça, presentes dos filhos-de-santo ilustres. Quando estava assistindo aos capítulos da novela Selva de Pedra, ninguém arriscava importuná-la. E grudava no rádio colocado no criado-mudo do quarto para escutar programas evangélicos e música popular - uma de suas cantoras preferidas era Maria Bethânia, ainda hoje frequentadora do Gantois, junto com o irmão Caetano Veloso.

Por trás das poderosas lentes dos óculos da mãe-de-santo havia uma mulher de força inabalável. Mais que superar preconceitos e afirmar o candomblé como símbolo da cultura negra, abriu a seita para novos seguidores. Mais que ser católica, convenceu os bispos a permitir a entrada nas igrejas de mulheres com os tradicionais vestidos do candomblé. Vestidos que ela mesma exibia com elegância: brancos para Oxalá, dourados para Oxum e azuis para Oxóssi.

Sucessora

Com sua paciência invejável, não se cansava de tirar dúvidas sobre o candomblé. "Deus? O mesmo Deus da Igreja é o do candomblé. A África conhece o nosso Deus tanto quanto nós, com o nome de Olorum. A morada Dele é lá em cima, e a nossa cá embaixo", explicava. Mãe Menininha morreu a 13 de agosto de 1986, aos 92 anos. Sua sucessora foi a filha Cleusa - que morreu no final do ano passado. A nova ialorixá do Gantois será escolhida até novembro, numa cerimônia que pode durar até um mês.

Pesquisa: Oscar Henrique Cardoso, ACS/FCP/MinC, com apoio da Revista IstoÉ.

QUILOMBOS

As denominações quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro são expressões que designam grupos sociais afros-descendentes trazidos para o Brasil durante o período colonial, que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial e contra sua condição de cativo, formando territórios independentes onde a liberdade e o trabalho comum passaram a constituir símbolos de diferenciação do regime de trabalho adotado pela metrópole.

O Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2º, considera os remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações terrritoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Garantir a posse da terra e promover o desenvolvimento sustentável das comunidades remanescentes dos quilombos é o objetivo principal do Governo Federal, responsável pelo Programa Brasil Quilombola. Além da regularização fundiária, os projetos dirigem-se à construção de escolas, alfabetização, saúde, habitação, saneamento, emprego, renda e luz elétrica.

Os números são bastante favoráveis ao apontar o êxito da ação, a qual conta com um grupo interministerial, o qual inclui a participação da Fundação Cultural Palmares/MinC. Cerca de 5.500 mulheres quilombolas já foram capacitadas para aumentar a renda familiar, 4.600 famílias de 136 comunidades já dispõem de luz elétrica.

Atualmente, o governo está analisando processos de regularização de terras para os remanescentes dos quilombos, iniciativa que irá beneficiar 500 comunidades de 300 territórios. O governo federal pretende, até 2008, beneficiar 22.650 famílias de 969 comunidades quilombolas em todo o território nacional.

Conforme registros junto a Fundação Cultural Palmares, estão identificadas, oficialmente, 1.000 comunidades remanescentes dos quilombos. As maiores concentrações destas comunidades estão nos estados da Bahia e Maranhão. Existem comunidades quilombolas espalhadas por todos os estados brasileiros, de norte a sul. Algumas iniciativas são elencadas como prioritárias pela instituição para valorizar o patrimônio dos remanescentes dos quilombos:

PROTEÇÃO ÀS COMUNIDADES NEGRAS TRADICIONAIS

  1. Apoio a projetos de revitalização e preservação dos terreiros de religiões de matriz africana.
  2. Apoio a confecção de inventários sobre manifestações sócio-culturais e religiosas.
  3. Revitalização da Casa das Minas, em São Luiz, Maranhão.
  4. Construção do Memorial dos Lanceiros Negros, na Serra de Porongos, município de Pinheiro Machado, Rio Grande do Sul. Projeto realizado em parceria com a prefeitura de Pinheiro Machado.
  5. Construção do Monumento aos Lanceiros Negros, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Projeto realizado em parceria com a prefeitura de Porto Alegre.
  6. Funcionamento, manutenção e preservação do sítio histórico da Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas.
  7. Desenvolvimento de ações do Programa de Ações Estruturantes, com a entrega de equipamentos para o incremento da sustentabilidade econômica das comunidades remanescentes dos quilombos.
  8. Incremento da assistência jurídica às comunidades quilombolas. Diretamente, a Fundação Cultural Palmares presta atendimento direto há 100 comunidades em todo o Brasil, e, indiretamente, por contato telefônico, assistência há mais de 200 grupos.
  9. Participação em iniciativas intergovernamentais, com os demais ministérios da esfera federal em ações nas áreas de educação, trabalho e renda, saúde e cidadania para a população quilombola.
Fundação Palmares

AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO GOVERNO FEDERAL

A Conferência Mundial de Durban se constituiu em um importante fator para a atualização do debate e criação do espaço político necessário para a formulação e implementação de políticas de promoção da igualdade racial. Seu impacto nos vários países do mundo foi bastante diversificado, dependendo de fatores internos, tais como a existência de movimentos organizados e vontade política de setores governamentais. No caso do Brasil, a Conferência de Durban abriu caminho para o que antes da sua realização parecia impensável: o início do processo de discussão e implementação de políticas de ação afirmativa. Dados do Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Afro) da Universidade Cândido Mendes contabilizam, desde 1999, pelo menos 208 iniciativas governamentais e não-governamentais de ação afirmativa para negros no País, sendo a maioria na área de educação, mas ainda há muito o que fazer para se promover a igualdade racial.

O Governo Federal incrementou seus esforços para o combate à desigualdade racial, visando corrigir distorções vigentes há mais de um século no País. O lançamento da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e a assinatura de um decreto que regulamenta a ação do governo no reconhecimento, identificação e titulação das terras de quilombos comprovam que a questão é tratada como prioridade por esta administração.

Mais do que emissão de títulos de propriedade, a regularização fundiária para as áreas remanescentes de quilombos trata-se de uma reparação histórica - ainda que parcial - e do reconhecimento público da contribuição dada pelos quatro milhões de africanos escravizados e seus descendentes na edificação do Brasil. Oficialmente, o governo brasileiro tem mapeadas 743 comunidades remanescentes de quilombos. Essas comunidades ocupam cerca de 30 milhões de hectares, com uma população estimada em 2 milhões de pessoas. Somada a regularização das terras quilombolas, também trabalhamos em conjunto pela implantação de saneamento básico em comunidades remanescentes de quilombos.

Neste processo, a Fundação Cultural Palmares/MinC vem participando de missões internacionais. Tais intercâmbios contaram com a presença de dirigentes da instituição no Continente Africano e também em países das Américas, como Cuba e Haiti. Estreitas relações são firmadas para desenvolver a construção de uma identidade negra. Com isso, a FCP é o braço do Ministério da Cultura em torno da solidariedade para com os países africanos e seus descendentes, construindo um novo momento governamental, um momento de articulação internacional.

Algumas iniciativas promovidas pela instituição serviram para reforçar este propósito. Podem ser citadas a realização do Seminário Cultura e Desenvolvimento na CPLP, que reuniu intelectuais e representantes de países de língua portuguesa, em Salvador (2004), Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, com a presença de mais de 2 mil participantes, artistas brasileiros e africanos, em Salvador (2005) e o Seminário Internacional Saídas da Escravidão e Políticas Públicas (2005) , o qual reuniu autoridades, especialistas e representantes de organizações da sociedade civil de 12 países - Brasil, África do Sul, Colômbia, Cuba, Equador, Estados Unidos, França, Haiti, Peru, Reino Unido, Uruguai e Venezuela.

O reconhecimento pelos serviços prestados pela Fundação Cultural Palmares, como forma de estimular a prática de ações e feitos dignos garantiu a instituição o recebimento, por parte do Itamaraty, da medalha Ordem de Rio Branco. Entitulada em homenagem ao Patrono da Diplomacia brasileira - o Barão do Rio Branco -, a Ordem de Rio Branco foi instituída pelo presidente João Goulart, em fevereiro de 1963, e é destinada a premiar os que se tenham tornado merecedores desse reconhecimento pelo Governo Federal, por serviços prestados ao país, como forma de estimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa menção. A medalha confirma a Fundação Palmares a recuperação do lugar da entidade no campo da política externa nas relações entre o Brasil e o continente africano, além de se tornar referência na diplomacia para com as nações da América que possuem população afro-descendente.

Com isso, somos parceiros, numa atuação interministerial de um conjunto de ações para combater a desigualdade e promover a igualdade racial - inclusão do negro na cultura, educação, saúde, habitação, emprego - para uma população superior a 80 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


"Vencer a desigualdade racial é, também, lutar por soberania. Não a soberania baseada na dominação de um povo sobre o outro. Mas aquela baseada no estreitamento de relações comerciais, políticas e culturais com aqueles povos e continentes, que aspiram, como nós, a um futuro de independência e dignidade. Sinto-me de alma lavada por ter sido o presidente da República que, no primeiro ano de mandato, decidiu saldar uma dívida antiga do Brasil: acabamos de percorrer uma parte do imenso continente africano para dizer e ouvir em cinco países: somos irmãos, somos parceiros, temos desafios comuns, temos lições a trocar. Vamos caminhar juntos. Vamos acelerar o nosso passo, conscientes de que não é possível superar, em quatro anos, o que se estabeleceu em quatro séculos nos dois continentes. Mas essa é a verdadeira globalização humanitária; essa é uma forma de desenvolvimento pela qual vale a pena viver e lutar: aquela na qual a cor de um ser humano não define o seu caráter, a sua inteligência, os seus sentimentos e a sua capacidade, mas apenas expressa a maravilhosa diversidade racial e cultural da qual somos feitos". Luis Inácio Lula da Silva, Presidente da República, em pronunciamento durante as comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, Serra da Barriga, Alagoas, 2003.


Fundação Palmares