terça-feira, 19 de abril de 2011

Cores da integração

Cores da integração

Ano Internacional do Afrodescendente é oportunidade para reflexão sobre avanços e desafios no Brasil. CUT adotou o tema para o 1º de Maio
Por: Redação
Publicado em 12/04/2011
Cores da integração
(Foto:Marcello Casal Junior/Agência Brasil)
Cinco meses antes do término de seu mandato, durante o primeiro encontro de cúpula do Brasil com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), em Cabo Verde, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que seu sucessor, fosse quem fosse, estaria “moralmente, politicamente e eticamente” comprometido a “fazer mais” pela relação Brasil-África. Essa preocupação se reforça com o estabelecimento de 2011, pelas Nações Unidas, como Ano Internacional do Afrodescendente.
O presidente estadual da CUT de São Paulo, Adi dos Santos Lima, lembra que o país concentra mais de 90 milhões de afrodescendentes. “No entanto, essa consciência ainda não está presente na totalidade de nossa população. Além disso, os países africanos, que estão na raiz de nossa origem, são pouco conhecidos em sua dimensão histórica, institucional, econômica, social e cultural”, afirma.
A central escolheu justamente como tema as relações entre Brasil e África para celebrar o 1º de Maio deste ano. Estarão representados trabalhadores de 12 países daquele continente: África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Gana, Guiné-Bissau, Moçambique, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Senegal, Togo e Zimbábue. “A proposta é ir além da tradicional confraternização entre os trabalhadores, o que, evidentemente, é importante. Mas queremos dar um primeiro passo para refletir sobre nossa condição de país afrodescendente e aprofundar nossos intercâmbios internacionais a partir de nossas lutas e conquistas”, diz Adi. No ano passado, o tema do 1º de Maio cutista foi a integração com a América Latina.
A avaliação geral é de que o país vem avançando na superação das desigualdades, mas ainda tem um longo caminho a percorrer. Os afrodescendentes brasileiros figuram entre as principais vítimas da violência, por exemplo. De acordo com o Mapa da Violência elaborado pelo Instituto Sangari, em parceria com o Ministério da Justiça, de cada três pessoas assassinadas, duas são negras. É também esse grupo social que lidera estatísticas de analfabetismo e desemprego, confirmando a situação de descaso à qual sempre foi relegado.
Entre os avanços, dois destaques foram a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010. Este foi um dos resultados de compromissos assumidos na Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001.
Em mensagem pelo Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial (21 de março), o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou os dez anos da conferência de Durban. “O Ano Internacional oferece a oportunidade de avançar nesse combate e de reconhecer as amplas contribuições que os afrodescendentes deram ao desenvolvimento político, econômico, social e cultural de todas as nossas sociedades. Para derrotar o racismo, temos de acabar com as políticas públicas e as atitudes privadas que o perpetuam.”
Para os movimentos sociais, é preciso fortalecer as políticas públicas de igualdade racial e ações afirmativas. “Os países africanos têm sede de conhecimento sobre o Brasil e veem com muito interesse o estreitamento de relações em vários campos de atividade”, diz o presidente nacional da CUT, Artur Henrique. O dirigente recorda que, em nosso território, existem hoje 31 embaixadas africanas e, no continente africano, 19 embaixadas brasileiras. “Muitos países do continente que enfrentaram situações de conflitos em passado recente as superaram, a exemplo do apartheid na África do Sul e guerras coloniais, e hoje aspiram ao desenvolvimento e a uma política voltada para o bem-estar das populações, passando pela organização dos trabalhadores e trabalhadoras”, diz Artur.
“É importante lembrar que a história das relações entre o Brasil e a África, embora tenha sido marcada em seu início pela diáspora e pelo tráfico de escravos, tem uma ancestralidade que ainda pouco conhecemos e é referenciada hoje por relações dinâmicas, principalmente econômicas e culturais, que queremos estreitar, em especial com os trabalhadores desses países”, reforça Adi.
Do ponto de vista econômico, o Brasil passou a priorizar a África em suas relações comerciais. Exemplo disso é o crescimento das transações: em 2000, a corrente de comércio (exportações mais importações) somou pouco mais de US$ 4,2 bilhões; em 2010, foi de quase US$ 20,6 bilhões.

Nacionalidade

Há estimativas de que, apenas no século 18, o número de escravos enviados ao Brasil chegou a 6 milhões. Mão de obra que foi usada em plantações de cana e, posteriormente, minas de ouro, diamantes e – já no século 19 – plantações de café.
O professor Eduardo de Oliveira, presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), observa a necessidade de compreender essa contribuição dos africanos na formação do país. “Na minha visão de político, professor e poeta, o fato de que o negro foi o primeiro trabalhador formal do país e o de ter vindo como escravo não invalidam a contribuição concreta que ele deu à formação de nossa nacionalidade”, afirma o professor e autor do Hino da Negritude, hoje adotado em mais de mil municípios brasileiros.
Oliveira ressalta que aqueles que são solidários com os valores humanos estão de acordo que, desde os primeiros anos de nação, o Brasil tem uma grande dívida com os negros da diáspora africana, e esse fato está hoje cristalizado no reconhecimento que o Estado vem adotando nos últimos anos, a partir da presença de um trabalhador (Lula) no governo do país. “Basta isso, para que neste 1º de Maio se reconheça e contemple o povo afro-brasileiro de modo a torná-lo autossuficiente em ações de políticas públicas e se contribua para nele despertar a autoestima por sua inteligência e seu vigor cultural”, acrescenta.
Na opinião do presidente da Fundação Palmares, Elói Ferreira de Araújo, a cultura no Brasil não teria a mesma pujança e riqueza não fosse a contribuição dos negros africanos trazidos para cá. “Busca-se criar semelhança com a diáspora de outros povos. Mas a vinda dos negros para o Brasil foi um processo de escravização, eles foram responsáveis pela produção das riquezas do Estado brasileiro durante quase 400 anos. Ao mesmo tempo, não houve um processo de inclusão para que tivessem acesso aos bens econômicos e culturais produzidos por eles próprios”, observa. “Mas estamos em um momento extraordinário no Brasil, em que há um grande aquecimento e interesse do governo em construir ações de natureza afirmativa que levem em consideração reparar quatro séculos de escravidão.”
Um exemplo de política afirmativa está na Lei 10.639, de 2003, que tornou obrigatória a disciplina História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. A lei determinou ainda a inclusão no calendário escolar do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. Há também o Programa Brasil Quilombola, de apoio às comunidades.
A cantora e compositora Leci Brandão, deputada estadual em São Paulo (PCdoB), vê ainda muita discriminação no país. “No Carnaval, assistimos às meninas da comunidade substituídas por rainhas de bateria brancas que frequentam a mídia. Na televisão, não tem mulher negra como apresentadora, mas serve de ajudante. Nesses programas de culinária, carregam a bandeja da apresentadora e mexem nas panelas”, afirma. 
A própria Leci ressalta que, apesar de uma carreira de 36 anos, não tem espaço nos cadernos de cultura. Mesmo observando que desenvolve lutas que não se restringem ao afrodescendente, ela lamenta: “Enquanto o descendente de italiano, francês, português ou espanhol sabe de que país vieram seus antepassados, nós, não. Sabemos que viemos do continente africano, mas não de qual país, porque fomos espalhados pelo mundo com a diáspora”.
Ela avalia que houve avanços tímidos no país. “No Congresso e nos governos temos poucos negros. Podemos destacar a deputada e ex-governadora do Rio Benedita da Silva, Matilde Ribeiro, ex-ministra da Seppir­, e, na mídia, o ator Lázaro Ramos. Mas os negros estão sempre sendo postos de lado. Apesar disso, nossa cultura de resistência persiste e, felizmente, estamos presentes em grande parte dos movimentos culturais deste país.”  




fonte http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/58/cores-da-integracao

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