sábado, 27 de novembro de 2010

A Arte africana na sala de aula

A arte africana e afro-brasileira foi tema de estudo de meu TCC do curso de licenciatura em Artes Visuais da UNESC, finalizado em 2006.  A partir daí, reconheci a relevância do mesmo, e procuro desenvolver projetos bordando esta questão em todas as turmas e escolas nas quis trabalho.
No ano de 2007, durante o segundo semestre, desenvolvi junto aos alunos de 5ª a 8ª série da E.E.B. Ângelo Izé o projeto intitulado “Arte e cultura africana e afro-brasileira: conhecer para respeitar”. Era meu primeiro ano como professora de Artes na referida instituição de ensino, a qual está situada numa zona rural da cidade de Forquilhinha, sul de Santa Catarina, local conhecido por sua colonização predominantemente alemã. Não havia nenhum aluno afro-descendente nas turmas envolvidas, o que tornou o tema mais desafiador ainda.
O objetivo geral do projeto foi propiciar o conhecimento de determinadas manifestações artísticas africanas e afro-brasileiras, levando os alunos a refletir sobre a importância dos afro-brasileiros em nossa formação cultural, de modo a valorizar estas contribuições.
Partindo de um diagnóstico realizado com todas as turmas com as quais eu trabalhava verifiquei que as mesmas possuíam uma concepção estereotipada da África tais como: “A África é muito pobre.” “Eu sei que a África é um país seco.” “A África é um país pobre e de clima quente.” No início do projeto, os alunos sequer tinham a concepção de que a África é um continente. Diante disto, antes de falar da arte propriamente dita, trabalhei com todos os alunos textos que os levassem  compreender que África é um continente diversificado, que lá existem riquezas e diversidade climática, sendo que em alguns locais mais altos ocorre até  mesmo neve.
Todas as turmas alunos assistiram a um vídeo sobre a Guiné-bissau, o qual mostra um pouco da cultura e vida em sociedade deste país africano. Desta forma, ressaltou-se que cada país da África é formado por diferentes etnias, e cada uma delas possui sua particularidade. Não se pode generalizar quando se fala em África, devemos falar em “Áfricas”.
As 5ªs e 6ªs séries também assistiram o desenho animado “Kiriku e a Feiticeira”. O filme mostra uma África não estereotipada, ao contrário de desenhos já conhecidos pelos alunos, como o “Rei Leão” da Disney. Neste desenho, as músicas são realmente africanas, ressaltando batuques e danças. Tendo o filme como ponto de partida, discutimos sobre os aspectos relacionados à cultura brasileira, sendo que os alunos conseguiram apontar que a alegria, o vestuário, as danças que aparecem no desenho têm a ver com a nossa cultura.
Com as 7ªs e 8ªs séries, foram trabalhados textos de maior complexidade e abrangência. Os alunos leram os textos e juntos discutimos seus aspectos relevantes.
Todas as turmas tiveram a oportunidade de apreciar por meio de imagens em livros, algumas importantes obras de arte africanas. Aprenderam que a escultura é a manifestação artística que mais se destaca, e que os africanos realizavam esculturas em bronze com técnica de cera perdida muito antes dos europeus chegarem ao continente.
Depois desta tentativa de tentar nivelar o conhecimento acerca da África, cada turma foi contemplada com o estudo de um artista afro-brasileiro.
A 5ª série conheceu o trabalho da artista brasileira contemporânea Rosana Paulino, a qual produz obras relacionadas ao tema da situação da mulher afro-descendente na sociedade. Como atividade prática, os alunos produziram uma colcha de retalhos, inspirada na obra “Parede de Memória” da artista estudada. Esta obra evoca a ancestralidade, característica importantíssima para os africanos.
As 6ªs séries conheceram a vida e obra do artista Mestre Didi através do DVD da dvdTeca Arte na Escola “Mestre Didi: arte ritual”. Além de artista, este é sacerdote dentro da religiosidade nagô. Suas obras são produzidas utilizando elementos da natureza e estão relacionadas à religiosidade africana. Os alunos, a partir deste estudo, reconheceram que a religião africana influencia algumas manifestações da religiosidade popular brasileira. Como atividade prática, criaram obras usando elementos facilmente encontrados nos arredores da escola, como cascas de palmeiras, bambus e outros.
As 7ªs e 8ªs séries estudaram a vida e obra de Rubem Valentim, também artista brasileiro, por meio da apreciação e discussão do DVD da dvdTeca Arte na Escola intitulado “Rubem Valentim: geometria sagrada”.
Rubem Valentim apropria-se dos emblemas dos orixás e os geometriza. Foi uma boa oportunidade de abordar a questão dos orixás, desmistificando a concepção inicial que tinham os alunos,ou seja, a de que orixás eram deuses. Aprenderam que estes são forças da natureza, e reconheceram os símbolos dos orixás Oxossi, Ogum, Xangô, Oxalá e Exu. A partir deste estudo, os alunos recriaram as obras de Rubem Valentim, tendo como tema aspectos de sua própria vida e religiosidade.
Além de realizar a produção artística, os alunos precisavam refletir sobre a mesma, escrevendo o que os levou a representar sua composição.
Convivendo com a diversidade: exposição dos trabalhos afros em festa alemã.
Os trabalhos artísticos produzidos durante o projeto foram expostos na Heimatfest , festa alemã tradicional da cidade de Forquilhinha. Foi uma forma de levar o projeto para além dos muros escolares, permitindo que a população local também compreendesse a importância dos afro-descendentes para nossa formação cultural.

O aprendizado dos alunos
Após os estudos, os alunos mudaram suas concepções iniciais sobre a África, aprendendo mais sobre sua arte e alguns aspectos históricos e geográficos. Reconheceram a influência africana dentro de nossa cultura, percebendo que, sendo o Brasil composto por 50% de afro-descendentes, não se pode ignorar seu estudo dentro do currículo escolar, independente da existência de uma lei que obrigue.
Os estudantes perceberam como a arte africana influenciou a arte brasileira e mesmo internacional, pois comentamos que Pablo Picasso, renomado artista espanhol, desenvolveu o Cubismo partindo das máscaras africanas que apreciou numa exposição.
Destaco os escritos de alguns alunos:
“A África possui bastante riquezas. Eu não sabia que o funk, o carnaval, o reggae, vieram da África.”
“Os africanos faziam esculturas realistas e algumas simplificadas.”
“Tudo o que os africanos faziam tinha um significado importante. Pablo Picasso foi influenciado pelas esculturas africanas.”
“Nunca imaginei que os africanos davam tanta importância para a fertilidade da mulher nas esculturas mostrando ventre e seios. A barba representava sabedoria.”
“Algumas artes do Brasil vieram da África. Não é só pobreza, eu achava que era pobre, achava que era um país, mas é um continente.”
“Aprendi que na África também neva. Que eles se preocupavam com a simetria das obras, mesmo quando essas eram usadas para alimentação. Usavam a técnica de cera perdida. Me surpreendi porque achava que a África era só pobreza.”

É um desafio para os educadores a implementação dos conteúdos relacionados à arte e cultura africana e afro-brasileira. Embora se reconheça muitas iniciativas a respeito do tema, existe ainda uma lacuna dentro das escolas, quer por desinteresse ou mesmo falta de  preparo por parte do corpo docente. Não há receitas que possam prescrever de que forma trabalhar estes conteúdos, mas, creio que uma coisa é imprescindível: que o professor realmente esteja convencido da importância destes conteúdos estarem inseridos no PPP das escolas.
Quem quiser conferir mais fotos das produções dos alunos, basta entrar no link do site Arte na Escola: http://www.artenaescola.org.br/sala_galeria_album.php?album=330. Publiquem lá também seus trabalhos!
Julmara Goulart Sefstrom - Cocal do Sul -SC

Um comentário:

  1. para não fugir da minha proposta de fazer deste blog um espaço para história, curiosidades e educação, estou postando este texto acima que é uma experiencia interessante de uma professora sobre arte africana. Estou pesquisando e em breve quero publicar aqui alguns textos sobre arte africana, voltado principalmente para a escultura africana.

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