quinta-feira, 28 de julho de 2011

Efeito contrário


Política pública baseada na raça estimula diferença

Estudo recente publicado pelo IBGE objetiva passar a imagem de que, apesar de a cor influenciar bastante a vida dos cidadãos brasileiros, a maioria não tem dificuldade em reconhecer a própria raça. Em um momento em que todos se chocam com a notícia de que já existem diversos Tribunais Raciais em funcionamento no Brasil, esta notícia não é obra do acaso. Objetiva-se minimizar as dificuldades existentes no Brasil sobre a identificação da raça.
Sobre a impossibilidade de determinar quem é negro no Brasil, destaco relevante estudo conduzido por Sérgio Pena, da UFMG, denominado Retrato Molecular do Brasil. Na ocasião, chegou-se à conclusão de que, além dos indivíduos autodeclarados pretos e pardos, existem no Brasil mais 30% de afrodescendentes, dentre aqueles que se declararam brancos, por conterem no DNA a ancestralidade africana, principalmente a materna, devido à intensa miscigenação e independentemente do fenótipo apresentado. O trabalho realizado por Pena questiona as estatísticas sobre a composição étnica do País. Para ele, os números seriam imprecisos pois muitos dos que se declararam brancos migrariam para a categoria de mestiços, se o DNA fosse decodificado.
Sobre a possibilidade de se determinar cientificamente um grau mínimo de africanidade para cada brasileiro, a ponto de legitimar os descendentes de africanos a serem beneficiados por políticas afirmativas, a explicação de Pena é deveras precisa, e, por isso, merece a transcrição: “a ancestralidade, após os avanços do Projeto Genoma Humano, pode ser quantificada objetivamente. Implementamos em nosso laboratório exames de marcadores de DNA que permitem calcular um Índice de Ancestralidade Africana, ou seja, estimar, para cada genoma humano, qual proporção se originou na África. Recentemente publicamos (...) um estudo demonstrando que no Brasil, em nível individual, a cor de um indivíduo tem muito baixa correlação com o Índice de Ancestralidade Africana. Isso quer dizer que, em nosso país, a classificação morfológica como branco, preto ou pardo significa pouco em termos genômicos e geográficos, embora a aparência física seja muito valorizada socialmente. A interpretação dos achados de nossa pesquisa é que a população brasileira atingiu um nível muito elevado de mistura gênica. A esmagadora maioria dos brasileiros tem algum grau de ancestralidade genômica africana. Poderia a nossa nova capacidade de quantificar objetivamente, através de estudos genômicos, o grau de ancestralidade africana para cada indivíduo fornecer um critério científico para avaliar a afrodescendência? A minha resposta é um enfático não. Tentar usar testes genômicos de DNA para tal, seria impor critérios qualitativos a uma variável que é essencialmente quantitativa e contínua. A definição sobre quem é negro ou afro-descendente no Brasil terá forçosamente de ser resolvida na arena política. Do ponto de vista biológico, a pergunta nem faz sentido”.
Confirma-se assim a tese de Gilberto Freyre de que a população brasileira é uma mistura do europeu, do índio e do africano. Dessa forma, a intensa miscigenação brasileira termina por eliminar a eficácia de programas afirmativos nos quais a raça funcione como critério exclusivo de integração, porque não há como determinar quem, efetivamente, é negro no Brasil.
Retroceder à utilização de critérios objetivos (exame de sangue) para determinar o grau de ancestralidade, por outro lado, parece-nos totalmente fora de consideração. A política afirmativa que vier a ser adotada no Brasil tem de vencer o desafio da legitimidade e ser adequada, exigível (não haver um meio menos ofensivo aos direitos fundamentais) e ter bônus maior do que o ônus em relação à implementação da medida (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
Para se tentar flexibilizar esse debate praticamente insolúvel — saber quem é negro no Brasil —, ao mesmo tempo em que também se procura combater outra barreira, talvez a principal a impedir a ascensão do negro, faz-se necessário um novo modelo de ações afirmativas, baseado em critérios próprios para a realidade brasileira. Propõe-se, assim, a conjugação de dois fatores: escola pública e renda mínima, visando a garantir maior legitimidade ao debate, a menor possibilidade de utilização da má-fé, à diminuição da possibilidade de discriminação reversa e, finalmente, ao melhor atendimento aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, integrando maciçamente os negros, pois estes são 70% dos pobres do Brasil, sem correr o risco da racialização do país.
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann é procuradora do Distrito Federal, professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Escola da Magistratura do DF e no Instituto de Direito Público. É autora do livro Ações Afirmativas à Brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, lançado pela Livraria dos Advogados.
 Fonte:Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Kanga

Kikulacho kimo maungoni mwako: Kanga, da tradição à contemporaneidade
Sofia Vilarinho

http://www.buala.org/pt/a-ler/kikulacho-kimo-maungoni-mwako-kanga-da-tradicao-a-contemporaneidade

Capulana no sul de Moçambique, Kanga no Quénia e Zanzibar, pagne no Congo e Senegal, lappa na Nigéria, leso em Mombaça. Um pano rectangular geralmente de 150 cm por 110 cm, estampado industrialmente em toda a sua superfície e que se diferencia de país para país pelos motivos africanos de cores contrastantes, formas antropomórficas, zoomórficas ou abstractas e padrões geométricos e figurativos variáveis que ilustram a cultura, a tradição, a contemporaneidade, os rituais, as ideias, a emoção, o silêncio, a revolta, a luta, a paixão. As Kangas são a "voz do silêncio feminino" (Beck, 2005).

A Kanga coexiste, no mesmo espaço e tempo, com a mulher do Leste Africano, é um símbolo tão gritante como o do poeta Malangatana "quem é que rasgou a capulana encarnada do templo negro?(...)" [1]
Graficamente, uma Kanga é definida por três partes: a margem (em swahili: Pindo), o motivo central(swahili: mji) e o provérbio inscrito (swahili: ujumbe ou jina).[2] Os provérbios são, em si, estratégias extraídas da experiência que propiciam, por um lado, o conhecimento sobre a acção e, por outro, a inspiração ou a motivação para a acção.
Geralmente a Kanga é utilizada como vestuário tradicional ou para modelar um look mais europeu, mas também pode ser utilizada para outros fins: nos rituais de passagem (interessante o uso da Kanga no ritual de circuncisão masculina); nos funerais para cobrir o defunto (ntehe é o nome desta capulana especial); para carregar bebés; para filtrar a água ou como saco para a merenda; para felicitar o noivado (capulana Kisutu), o casamento ou o nascimento; para esperar o marido (geralmente esta é de cor amarela e verde ou xadrez pouco garrido no sul de Moçambique); pelos curandeiros nas suas práticas (de cores branco, vermelho e preto, é só usada pelos curandeiros).

Estes têxteis têm um papel muito importante na comunicação mas também na definição do status e do poder, pois quanto maior for a riqueza de uma mulher mais kangas elas guardam nas arcas.
Compradas ou herdadas, as kangas fazem parte das rotas comerciais e são uma das moedas de negociação desde o século XIX. Figuras importantes no comércio dos panos em África são as Nana Benz, as mulheres com uma forte autonomia económica que, desde os anos 60, introduziram novos desenhos no mercado, sendo  um porta-voz de tendências que emergem das e nas ruas, resultantes de acontecimentos políticos, e sociais, de provérbios, de histórias de vida, de inovações tecnológicas, de marcas europeias dominantes.

ver documentário aqui

Reza a história que os primeiros estampados tinham uma margem e um padrão de bolinhas sobre um fundo escuro e que os compradores rapidamente começaram a chamar a esta roupa de Kanga, em lebrança de um pássaro preto e branco da Guiné, com plumas sarapintadas. De acordo com registos, diz-se que esta evolução foi da autoria de um comerciante de Mombaça Kaderdina Hajee Essak, também conhecido por Abdulla. O design de suas Kangas era formalmente distinto pela marca "K.H.E- mali ya abdulla"[2] e incluía sempre um provérbio, aforismo ou slogan, inicialmente em letras árabes e depois em letras romanas. Narra também a história que a Kanga surge do cruzamento das rotas comerciais entre Portugal (desde 1499 os portugueses estabelecem aqui uma missão católica e um porto de negociações marítimas) e a Índia - na zona de Mombaça e Zanzibar - e da costumização dos lenços portugueses pelas mulheres swahili (a partir  de 1900), quando costuraram os lenços de forma a obter um rectângulo capaz de contornar o corpo (3 por 2). O mercado dos panos era também controlado pelos indianos, que prontamente responderam às tendências da moda e começaram a produzir um único pano inspirado no sari e no lenço português, mas que apelava ao gosto estético africano.

Comparação lenço português, Inidian, e Kanga

Num estudo mais aprofundado e indagando sobre estes registos, conclui-se que a criação da kanga está ligada a três factores preponderantes:
Às mulheres Manyema nas rotas de escravos e marfim da África Central para a costa Swahili (Africa Austral). Segundo a autora McCurdy, Manyemaeram mulheres poderosas, waungwana (livres), autónomas (também sexualmente - ver Encyclopedia of prostitution and sex work, pp. 83) e com habilidade para trabalhos manuais. Certas fontes revelam que estas mulheres ocupavam parte do seu tempo de viagem, do Congo para Zanzibar, a criar novos grafismos têxteis através da união de vários padrões que davam origem a outros de uma riqueza estilística única e, por isso, uma fonte de inspiração pela sua exuberância e originalidade.
A autora argumenta ainda que - e de acordo com registos locais - as mulheres swahili vestiam somente Kanini (pano de algodão cor azul escuro - indigo) ou pano branco antes da chegada das mulheres Manyema a Zanzibar. De notar que este facto vai justificar o que atrás foi referido sobre a apropriação dos lenços portugueses pelas mulheres de Zanzibar e a tendência para o processo de imitação -tão característico no mundo da Moda - e que desde sempre contagiou o encontro dos povos resultando num hibridismo de estilos. A Kanga torna-se um fashionable item.
A abolição do tráfico de escravos (em 1878, foi definitivamente abolido em todo o império português), permitiu que o algodão, anteriormente primazia de reis e chefes de tribos, passasse, a partir de meados do seculo XIX, a ser adquirido pelas pessoas comuns, o que prenuncia o novo estatuto social e, com ele, outras noções de liberdade, do corpo e sua propriedade.[1] A apropriação dos panos e a utilização dos estampados é o símbolo gritante dessa mesma liberdade. Contudo, a libertação dos escravos leva ao aumento do movimento de missionários, tanto cristãos como islâmicos, que induzem um outro olhar sobre o corpo, apelando à modéstia.

O terceiro  factor que induz o aparecimento da kanga relaciona-se com a Revolução Industrial (1760) e a fervorosa abertura dos mercados na segunda metade do século XIX (Europa, Índia e Arábia). A época Victoriana é caracterizada pela hegemonia mundial britânica e a expansão colonialista. A produção textil artesanal conduzida pelos indianos e árabes passa, após a revolução industrial, a ser dominada em regime industrializado, pelos europeus. Deste domínio destacam-se duas fortes economias, a Inglaterra e a Holanda, que comandaram, desde meados do século XIX, a indústria de produção de wax print textiles [1] na região Oeste Africana.

E a Kanga de hoje?

Da tradição à contemporaneidade, a Kanga foi e continua a ser, um objecto que acompanha o ritmo da transculturalidade que influencia  a dinâmica presença - ausência da mulher africana.
O design dos padrões evoluiu e espelha os grafismos da modernidade, da evolução tecnológica e da hegemonia ocidentalizada. Num processo contante de (re)negociação de identidades e homogeneização - tão caracteristico da era global - o uso tradicional da Kanga passa a ser substituído pela roupa importada e oriunda da caridade europeia e /ou americana para o continente africano ou pela apropriação de um pano modelado em forma de camisa, vestido, saia. Se, por um lado, o mercado de segunda-mão, concebe livre arbítrio ao consumidor, permitindo-lhe adquirir exclusivos e originar - e não imitar - o Look - peça-única, por outro,  assiste-se  um processo de homogeneização e poder da indústria da Moda Europeia, cujo o ex-líbris culmina no well-dresssed e num novo sigificado de ser "cosmopolita."[2]

As fronteiras da autenticidade e da tradição diluem-se e dão lugar à fabricação de culturas e objectos  híbridos. Assiste-se a um puzzling cultural que posiciona a kanga contemporânea nessa fronteira, entre o hit do design de motivos de coca-cola ou dos telemóveis Nokia, as inscrições em inglês tão apelativas aos turistas da costa swahili e o modelling contemporâneo apresentado na passerelle de Nova Iorque - Verão de 2011.
Os africanismos fashionable são o retrato do carácter nómada inerente ao objecto.

[1] Wax prints textile: técnica de estampagem textil originária da Indonésia e que consiste na aplicação de cera de forma a "resistir" o tinto nas zonas onde esta é aplicada. Esta cera é desenhada no tecido de acordo com o projecto/desenho a ser elaborado. Duas grandes empresas de produção destes estampaos são a Vlisco (Holanda)  e a. O estampado feito pela industrias holandesas (Dutch wax print) foi pioneiro na aplicação de resina que permitia obter o estampado no direito e avesso do tecido e teve um grande sucesso na região do Ghana (Gold Coast), ao contrário do que se previa na Indonésia (1º mercado alvo dos holandeses).
[2] O apogeu desta dominação é o fenómeno dos Sapeurs do Congo.
[1] Com a abolição da escravatura e a libertação dos escravos dá-se também uma intensa campanha religiosa, por um lado o cristiansmo por outro o islamismo. Missionarios, militares e oficiais do governo tornam-se os novos agentes/actores na introdução de outros  conceitos de exibição do corpo e das partes dele que apela à modestia. De notar que os estampados nas kangas traduzem a inluência islâmica  e muitas das frases são a enunciação da opressão feminina imposta pelas leis do corão.
[2] íbidem
[1] Torcado, Maria de Lourdes (2004), Capulanas & Lenços à Moda de Moçambique, Ed.Missanga,Maputo, pág.6
[2] A maioria das capulanas em Moçambique não apresentam mensagem. Não querendo menosprezar o interesse pela capulana (que aliás é o objecto de estudo da minha investigação de doutoramento em curso) encontro na kanga, típica em Zanzibar, Mombaça e  Quénia, uma maior fieldade e riqueza histórica quanto à preservação das tradições.


 Fonte.http://www.casadasafricas.org.br/

O Negro na Telenovela Brasileira

 O Negro na Telenovela Brasileira
A Negação do Brasil - O Negro na telenovela brasileira documentário de Joel Zito autor do livro de mesmo nome.Duração de 1 ;30 minutos feito pelo ministério da cultura. Vale a pena assistir no link abaixo!
 
http://youtu.be/Z9B9ryJP4t0